>> O que significa inclusão?
Mel Ainscow: Inclusão é a transformação
do sistema educacional, de forma a encontrar meios de alcançar
níveis que não estavam sendo contemplados.
Eu compreendo a inclusão como um processo em três
níveis: o primeiro é a
presença,
o que significa, estar na escola. Mas não é
suficiente o aluno estar na escola, ele precisa participar.
O segundo, portanto, é a
participação.
O aluno pode estar presente, mas não necessariamente
participando. É preciso, então, dar condições
para que o aluno realmente participe das atividades escolares.
O terceiro é a
aquisição de conhecimentos
- o aluno pode estar presente na escola, participando e não
estar aprendendo.
Portanto, inclusão significa o aluno estar na escola,
participando, aprendendo e desenvolvendo suas potencialidades.
Um outro aspecto da inclusão é identificar e
sobrepujar as barreiras que impedem os alunos de adquirir
conhecimentos acadêmicos. Essas barreiras podem ser:
a organização da escola, o prédio, o
currículo, a forma de ensinar e muitas vezes as barreiras
que estão na mente das pessoas. Estas são as
mais difíceis.
>> Como superar essas barreiras das pessoas?
MA >> Todo este processo de inclusão
é um processo de aprendizado. As pessoas estão
aprendendo a viver com os diferentes. E isso só se
aprende na ação e dentro de um contexto. Por
isso eu acho importante as pessoas estarem abertas para
esse tipo de vivência.
>> O que mais o impressionou nas suas visitas
às escolas em São Paulo?
MA >> Vi muitas coisas boas nas escolas. Muitas
experiências que estão dando certo, mas também
situações que precisam melhorar.
O que considero relevante e que muito me impressionou, foram
as escolas em que a ênfase está na cooperação.
Professores e pais trabalhando juntos de forma muito integrada.
Fiquei muito impressionado com o comprometimento e o entusiasmo
dos professores. Como é o caso de uma escola que
muito me impressionou pelo progresso alcançado em
tão pouco tempo, porque iniciou a inclusão
há apenas dois anos.
Um outro ponto que gostaria de destacar é o significativo
avanço que o Brasil conseguiu no processo de incluir
crianças que antes não tinham a mínima
oportunidade de estar na escola. O próximo passo,
agora, é tornar as escolas mais eficazes.
Mas há um longo caminho a ser percorrido. Não
só aqui no Brasil mas também em todos os lugares
do mundo.
>> E o que deve ser feito para que a escola seja
realmente efetiva e propicie o que o senhor chamou de terceiro
nível de inclusão: alunos presentes na escola,
participando e aprendendo?
MA >> Das minhas experiências trabalhando
com professores e pessoas nos diferentes países,
podemos afirmar que para tornar as escolas mais eficientes
no seu ensino-aprendizagem é preciso ter clareza
do que se quer, dar aos professores condições
de trabalho, reconhecer que eles são fatores essenciais
nesse processo de transformação. Eles precisam
se sentir reconhecidos e valorizados.
Os professores, por sua vez, precisam se conscientizar que
devem estar aprendendo sempre, que precisam também
ser pesquisadores. Isso significa estar sempre pesquisando,
investigando novas formas de ensinar, refletir sobre o seu
trabalho, procurar sempre melhorar o seu próprio
trabalho.
Todos devem investir na educação continuada
dos professores dentro da escola, se quisermos melhorar
a aprendizagem das crianças.
Isso implica na contribuição de muitos profissionais
trabalhando juntos para o desenvolvimento da escola e dos
professores. Quando há comprometimento, liderança
na escola, os professores encontram tempo e espaço
para soluções.
Por isso, é muito importante detectar as barreiras
dentro da escola, que impedem a participação
de todos.
>> Qual seria o número adequado de alunos
numa classe em que se dá o processo de inclusão?
MA >> Esta é uma pergunta difícil
porque depende muito dos recursos disponíveis e das
condições da escola. Eu diria 25 a 30 alunos
seria um bom número. Mas, mesmo em classes numerosas,
se olharmos para as crianças como possibilidades
de ajuda no processo de inclusão de outras crianças,
a tarefa torna-se mais fácil. É uma questão
de organização da classe e das atividades
de forma que as crianças possam contribuir mais.
Crianças que passaram pelo processo de inclusão
têm uma sensibilidade muito grande. Sabem melhor do
que os adultos quais são as dificuldades que outras
crianças terão.
>> Qual é sua opinião sobre as salas
de apoio às crianças com necessidades especiais
de aprendizagem?
MA >> Em relação aos professores
especializados, acho bom.
Os professores normalmente têm um longo dia de trabalho
na classe. São muitas tarefas. Com a entrada do professor
de apoio, há um tempo adicional para que possam pensar
melhor sobre suas aulas. Isso é muito bom.
É importante encorajar a participação
dos professores especializados como suporte e não
como uma forma de enfatizar a segregação e
a discriminação.
Neste ponto, torna-se importante esclarecer o que se entende
por suporte. Significa a construção da autonomia
do aluno no processo de aprendizagem.
Iniciar sempre com o mínimo necessário para
que o aluno tenha condições de se desenvolver
e, assim que possível, retirar o suporte para que
ele possa prosseguir sem criar uma relação
de dependência.
As crianças precisam aprender a ter autonomia nas
suas aprendizagens, precisam se tornar "aprendizes
independentes".
>> Especificamente sobre a inclusão, como
está a formação do professor no Ensino
Superior? Como ele está sendo preparado nos outros
países?
MA >> A escolas são instituições
difíceis de se mudar. Isso no mundo todo. As de Ensino
Superior são as mais difíceis. Muitas continuam
perpetuando as mesmas práticas. O discurso é
um e a prática é outra. Professores no Ensino
Superior dizem a seus alunos que as aulas devem ser mais
instigantes, interativas, que devem proporcionar um aprendizado
mais ativo. Quando sabemos que as aulas nas Universidades
estão centradas na fala do professor.
Faz-se necessário, portanto, pensar numa reforma
na formação do professor. Os professores formadores
precisam reconhecer em suas práticas o que recomendam
aos seus alunos professores. Precisam ser "modelos"
do que dizem. Por exemplo: trabalhar em grupos, na solução
de problemas, professor como facilitador da aprendizagem
e assim por diante..
Normalmente os professores estudam por um período
de três anos. Deste período, apenas algumas
semanas são dedicadas à prática.
Na Inglaterra, dedica-se um tempo maior para a observação
de professores mais experientes em suas práticas
e habilidades. Investe-se mais tempo no desenvolvimento
das competências e habilidades do ofício de
ensinar.
>> Pela sua experiência, como tem sido a
participação da família no processo
de inclusão? Colaboradora ou motivo de impedimento?
MA >> Para uma escola ser mais efetiva tem
de desenvolver melhor as relações com a família.
Isso se quiser melhorar a aprendizagem de seus alunos. Isso
vale para qualquer escola.
Normalmente afastamos os pais da escola. Os colocamos nos
limites dos portões das escolas.
Eu acho que educação é uma tarefa muito
importante para ser executada só por professores.
Todos devem fazer parte desse processo. É responsabilidade
de todos. Cada um desempenhando o seu papel.
Os pais devem pressionar o governo para que o sistema ofereça
vagas e melhores condições de educação.
Educação é um direito de todos. Os
pais numa escola têm muitas funções.
E essa é uma delas.
Pais que têm filhos com necessidades especiais de
aprendizagem não recebem treinamento especial para
serem pais. Aprendem fazendo, porque simplesmente têm
de fazer.
>> Como encontrar parceiros em comunidades carentes?
MA >> É muito importante que a escola
venha a desenvolver um equipe forte.
Diretores de escolas precisam visitar e ajudar outras escolas.
O supervisor precisa estar inserido no sistema, trabalhar
junto com os diretores, professores, alunos e pais. Cada
um aprendendo com o outro. Quanto mais as pessoas estiverem
isoladas, mais dificuldades terão para resolver problemas.
As possibilidades serão sempre limitadas. Conheço
uma experiência na América Latina em que seis
diretores formaram uma associação para trocar
idéias, compartilhar problemas e experiências.
>> Como se dá a interação
professor-aluno em quadros complexos de deficiências
graves ou em casos de psicose? Como reconhecer se os professores
ficam inseguros? Como se trabalha na Inglaterra nesse sentido?
MA >> Não temos respostas. Pessoas de
todos os níveis sociais enfrentam os mesmos problemas
no momento de criar a inclusão. É um processo,
uma longa jornada em que se aprende no percurso. Ingredientes
como encorajamento e vontade de realizar são muito
importantes.
Muitas escolas são inclusivas por princípio.
São muito inclusivas e não têm receitas.
Mesmo assim os professores estão conscientes que
por mais que trabalhem a inclusão sempre será
difícil alcançar todos.
Precisamos aceitar o fato que fazemos o que podemos e fazemos
com os recursos de que dispomos. Sabemos que podemos aprender
para continuar fazendo mais progressos.
A chamada "Educação Especial", no
passado, era para cuidar das crianças que eram excluídas.
Hoje ela precisa olhar mais para ela mesma, rever o seu
papel e adquirir uma nova função: contribuir
para a Educação Inclusiva.
A Educação Especial pode contribuir para a
solução colaborativa dos problemas. Mostrar
que todos fazem parte do processo. Ajudam e trabalham juntos.
Ela pode mostrar que podemos resolver problemas juntos.
Somos parte da solução e não do problema.
Gostaria aqui de relatar a experiência de uma escola
de Ensino Fundamental, de 1a a 4a série, em São
Paulo, que levarei para outros países. Há
dois anos, esta escola procede a inclusão de crianças
e de adultos portadores de deficiência visual com
alunos do Ensino Fundamental regular. Eu nunca tinha visto
este tipo de integração.
Ao visitar a escola, estava ocorrendo uma comemoração
e todos estavam participando das apresentações
de uma forma extraordinária. As mães desses
alunos adultos estavam muito emocionadas e satisfeitas porque
os filhos estavam tendo uma oportunidade que antes não
tinham.
Ao passar em visita pelas classes, esses adultos estavam
muitos ansiosos para que eu visse seus cadernos e trabalhos.
Em muitos países, inclusive no meu, adultos nessa
faixa etária - entre 30 e 40 anos - são excluídos
do processo educacional regular. E, assim, nós perdemos
a oportunidade de conviver com eles e eles conosco.
CRE Mario Covas/SEE-SP