ENTREVISTA

Os mais diversos significados são atribuídos
aos termos moral e ética. Qual a definição
que o senhor adota?
YT: Na definição que eu proponho, a
moral situa-se no campo do dever e refere-se à pergunta
"como devo agir?", enquanto que a ética
responde à questão "que vida quero viver?".
Essas duas coisas são complementares, pois somos
ao mesmo tempo submetidos às influências da
dimensão da regra e da busca da felicidade.

O senhor poderia dar um exemplo do que seria uma conduta
moral e uma conduta ética?
YT: Gosto de citar uma passagem da biografia do escritor
francês Albert Camus. Ele conta que, quando pequeno,
era um menino pobre que estudava numa escola de meninos
ricos. Certo dia, uma professora pediu que cada estudante
escrevesse sobre a profissão da mãe. Camus
responde que a sua era empregada doméstica, mas fica
com muita vergonha. Logo em seguida, sente vergonha de ter
sentido vergonha. Na primeira vergonha há um valor
ético, que é acreditar que uma boa vida implica
riqueza. No segundo momento, há um valor moral, pois
ele sabe que não deve ter vergonha da própria
mãe.

Podemos dizer que existe hoje uma crise da moral?
YT: A sociedade capitalista em que vivemos assenta-se
sobre uma base materialista, e portanto acaba associando
a felicidade à posse, deixando de lado os valores
mais transcendentes. É uma sociedade contraditória,
que propaga valores morais como "não roubar"
e "não mentir" e, ao mesmo tempo, vende
a idéia de dinheiro, glória e consumo como
objetivos a serem buscados para uma vida feliz. Surge assim
uma contradição entre a moral e as respostas
sobre a vida, em que a primeira é, na maioria das
vezes, sacrificada.

A educação está falhando na forma de
lidar com esse processo?
YT: Apesar de educadores importantes (como Paulo
Freire) pregarem o contrário, a maioria das escolas
foi virando as costas para a formação mais
humanista e crítica e se voltando para uma educação
técnica e pragmática, guiada pelo mercado.
Eu diria, portanto, que a escola está falhando na
sua função crítica, de funcionar como
um filtro às várias influências e valores
que são passados o tempo todo às crianças.
Além disso, poucas escolas têm um trabalho
pedagógico específico e bem elaborado para
a educação moral como têm para a Matemática,
para a Geografia... Ao contrário, quando se trata
de educação para valores cada professor está
isolado. A escola não está se organizando,
não está levando a sério essa questão.

Pais e professores vivem empurrando uns para os outros a
responsabilidade quanto à formação
moral e ética das crianças. Qual a parte que
cabe a cada um?
YT: Esse é um trabalho dos dois. A moral e
a ética são valores culturais, e a criança
é aculturada na família, na escola, na mídia,
na rua etc... Tanto a escola quanto a família têm
de deixar claros os seus valores e definições
do que é uma vida plena. Se não o fazem, acabam
sendo substituídas pela mídia, que exerce
muito bem esse papel. Como já disse, hoje as respostas
éticas e morais são freqüentemente contraditórias.
As crianças ficam perdidas e isso evidentemente prejudica
tanto o desenvolvimento moral quanto ético. Cabe
à escola e à família ajudá-los
nesse processo.

E a família e escola têm poder para isso? Mesmo
diante de meios tão poderosos como a TV, que impõe
valores diariamente às crianças?
YT: A televisão é um meio poderoso,
é verdade. Mas a família e a escola também
o são. O que falta é colocar de forma mais
clara os seus valores, as suas respostas éticas,
as suas regras e os princípios que inspiram essas
regras.

Com os PCN, a ética passou a ser um tema transversal
que deve ser abordado pelos professores das diversas disciplinas.
Mas ensinar valores é bem diferente do que ensinar
Matemática ou Língua Portuguesa. Na sua opinião,
os docentes estão capacitados para isso?
YT: A questão da formação dos
docentes toma uma dimensão totalmente diferente no
campo da ética e da moral. No caso da Matemática,
há o conteúdo e as técnicas para ensinar
esse conteúdo. O mesmo acontece com a História,
com a Língua Portuguesa, com a Educação
Física. Com a moral e a ética é diferente.
Antigamente, determinadas pessoas eram reconhecidas como
porta-vozes legítimos da educação moral.
O padre, por exemplo. Mas e hoje, quem tem legitimidade
para isso? Não há um especialista em moral
e ética. Logo, esse papel é exercido por todos
os professores. Há muito pouco o que se fazer com
relação à formação técnica,
para que eles exerçam bem esse papel.
Devem, talvez, estudar um pouco sobre o que a psicologia
do desenvolvimento tem a dizer sobre a criança. Saber,
por exemplo, que uma criança de oito anos não
consegue assimilar princípios, apenas regras concretas.
O mais importante, porém, é saber trabalhar
de forma em conjunto com os colegas. Um professor tem pouca
força quando trabalha isoladamente. As políticas
e estratégias devem ser discutidas coletivamente
por toda a equipe de docentes e direção.

O senhor pode dar um exemplo de como seria esse trabalho
em conjunto?
YT: Veja as campanhas que as escolas fazem contra
o fumo. Quantas crianças não voltam para casa
e brigam com os pais para deixarem o cigarro? A escola consegue
influenciar a criança e a família sobre essa
questão porque tem uma campanha bem feita, complexa,
onde todos se mobilizam. Se, da mesma forma, ela se organizar
para mostrar a importância de determinados valores,
também terá bons resultados. A escola tem
mais força do que imagina.

Isso significa que os valores só podem ser discutidos
em grandes campanhas?
YT: Não, as campanhas funcionam quando se
trata de um assunto que está diariamente na mídia,
como a paz atualmente. Mas o importante no trabalho com
valores é invadir a rotina escolar. A ética
tem de estar presente no recreio, na reunião de pais,
ou mesmo na hora de lidar com um aluno indisciplinado. Vamos
imaginar um estudante que insiste em ficar conversando durante
a aula. Ao invés de colocá-lo para fora, o
educador pode levá-lo a refletir sobre a situação,
fazê-lo se colocar no lugar do professor para perceber
como ele se sente desrespeitado. Nesse momento, a moral
e a ética estão sendo trabalhadas.

E como avaliar os resultados desse trabalho?
YT: A ética não pode ser avaliada.
O professor pode apresentar valores que julga importantes,
mas o aluno tem liberdade de decidir se os adota ou não.
A avaliação, portanto, só pode ser
sobre a moral. E eu diria que a melhor forma de avaliá-la
é observar o comportamento da turma no dia-a-dia.
O fato de ela estar mais respeitosa, mais pacífica,
é o melhor indicador de que o trabalho está
dando resultado.

Como saber quais valores e respostas éticas devem
ser trabalhados?
YT: Isso quem deve definir é a escola. Existem
alguns valores, como solidariedade e justiça, que
estão na Constituição brasileira. Já
as respostas éticas são mais complicadas.
A escola tem de escolher os seus valores, princípios
e regras e deixar isso bem claro para os pais. Ao criar,
por exemplo, uma regra para impedir o uso do celular, deve
deixar claro que por trás dessa decisão há
um princípio, que é o de evitar interferências
externas. Essas coisas aparentemente banais pressupõem
uma profunda reflexão sobre valores morais e éticos.
Com base nessa reflexão chega-se aos princípios
- que, por sua vez, definem as regras que serão adotadas.

É importante o professor refletir mais, então?
YT: Sem dúvida. Para que a escola tenha sucesso
na formação moral ela precisa refletir mais
sobre os valores que quer adotar. E isso deve começar
por uma reflexão pessoal de cada professor. Em geral,
pessoas que têm clareza sobre os seus próprios
valores trabalham mais facilmente esse tema.
(Por Priscila Ramalho)