Depoimento de uma professora |
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PROJETO MEMÓRIA DA EDUCAÇÃO
PAULISTA
Programa de Memória Oral
Fase 1 - Depoimento 003
Entrevistado: Maria Apparecida Guimarães Oliveira
São Paulo, 24 de setembro de 2001
Identificação do depoente
Meu nome é Maria Apparecida Guimarães Oliveira.
Nasci no Rio de Janeiro, vim para São Paulo com três
anos de idade e fui morar no Brás.
Infância do depoente
O Brás da minha infância era muito bonito, era
muito bom. Tinha o Teatro Colombo, no Largo da Concórdia.
E eram os italianos que vinham, que freqüentavam o Brás.
Tinha o Carnaval nas ruas, com aqueles carros, o corso que
ia na Avenida Rangel Pestana, perto de onde eu morava. Na
Avenida Rangel Pestana punham cadeiras, lá se vivia.
Agora não existe mais isso, o Teatro Colombo com aqueles
tenores italianos que vinham, era uma maravilha o Brás.
Formação: Escola Primária
Eu tinha seis para sete anos quando entrei na escola. Foi
no Instituto Feminino de Educação Padre Anchieta.
A minha professora era a Dona Rafaela. Era uma senhora morena,
cor bem escura. Depois, ela ficou sendo diretora do Primário.
Fui alfabetizada, muito bem alfabetizada, por essa professora.
Nas classe só havia meninas.
Escola Primária:
organização, currículo e métodos
de ensino
A alfabetização era bem diferente. A professora
picava os jornais e mandava a gente tirar as letras do jornal
e fazer uma cópia. Colocava frases, e eu fui alfabetizada
assim. A professora também lia histórias. História
antiga, história de "Chapeuzinho Vermelho".
Ela lia e depois pedia para cada aluno se levantar, contar
a história que ouviu, e ela perguntava: "Vocês
são capazes de escrever alguma coisinha?" E a
criança ficava fazendo desenhos, cortava desenhos com
a história que ela contava, fazia aquele desenho todo
cortado.
Caligrafia era uma das coisas principais
que a gente tinha, antigamente. Escrevia naqueles cadernos
de caligrafia que a gente comprava, hoje acho que nem existe
mais. E ela ensinava a fazer a primeira letra e, depois, ensinava
a caligrafia. A gente também desenhava, ela falava
que desenhasse o que quisesse, não colocava na lousa
nada para desenhar.
Todas as crianças eram bem uniformizadas.
O nível aquisitivo das crianças não era
como hoje, que as crianças não têm nem
o que comer, vão na escola, passam três vezes
na merenda para poder comer e, ainda, pedem se pode levar
para a mãe. Antigamente era muito diferente. Ganhava-se
menos, mas podia-se, até, guardar um dinheirinho.
A própria professora confeccionava
o material de que precisava para trabalhar.
Escola Primária: Material Escolar
Tinha caderno de caligrafia, caderno de desenho, caderno de
linguagem - que eram aqueles retangulares.
Formação:
Ginásio
Para entrar no Ginásio tinha que fazer exame de admissão.
Eles faziam uma seleção, tinha exame para tudo:
Português, Matemática, História, Geografia...
Atividades extra-curriculares
Tinha fanfarra, música, canto orfeônico. A professora
ensinava as músicas, os hinos pátrios e outras
músicas.
No Ginásio tinha jogo de vôlei,
já tinha bola ao cesto, ginástica rítmica.
Eu dava mais para o esporte, sempre gostei. Eu fui atleta
do São Paulo Futebol Clube. Corria os 100 metros rasos
com barreira, salto de extensão, jogava dardo. Eu até
competi, eu fui até o Paraguai.
Hora do Recreio
A atividade de recreio era comum, mas a professora acompanhava,
ela ia para o recreio junto com as crianças. As crianças
tomavam o seu lanche, depois iam para o banheiro, depois ela
formava, assim, um grupinho para cantar, para fazer roda.
Escolha Profissional
Eu sempre tive a vontade de ser professora. Eu freqüentei
um colégio de freira, para aprender bordado, depois,
quando eu já tinha tirado a quarta série primária.
Com 12 anos eu perdi o meu pai. Então a minha mãe
não podia pagar muita coisa para mim, mas eu freqüentei
o colégio de freiras, onde aprendi bordado, culinária,
tudo. Mais de, uns dois anos, eu freqüentei o colégio
de freiras.
Formação:
Normal
Eu me casei com 15 para 16 anos, eu só tinha o Ginásio.
Depois voltei, prestei o concurso para o Magistério,
antigamente era o Magistério. E depois do Magistério
eu ainda fiz especialização.
Curso Normal: organização,
currículo e métodos de ensino
Nossa! Eu achava muito difícil, porque tinha todas
as matérias. Os meus professores foram professores
famosos. Em Matemática tinha o Oswaldo Sangiorgi. Dona
Marianinha Neves era de Religião
Tinha aula de História Natural, sobre
os bichos. Para fazer aula de prática, nós tínhamos
uma professora que dizia: "Vocês levam o bicho.
Se, de repente, acontecer alguma coisa eu dou zero para vocês".
Então a gente ficava meio amedrontada da aula de prática.
Eu levei um cachorrinho, eu olhava para o cachorro, com medo
que ele latisse ou se levantasse do lugar, mas eu tive a felicidade
de dar a aula inteirinha, tive a minha melhor nota porque
o cachorro não se mexeu, ficou lá. Eu fiz com
que o cachorro ficasse ali, mas eu também havia treinado
muito com o cachorro.
Em Religião tinha histórias
da Bíblia, era o Antigo Testamento. A gente estudava,
tinha prova e tudo, era uma aula bem alegre. Em Música
também. Não era aula de a gente decorar.
Os livros que se usava no Normal eram dos
próprios professores, que eram muito importantes. Oswaldo
Sangiorgi, Samir Sedek de Sociologia, maestro João
Julião.
Ensinar na Escola Primária
Lá na Escola Padre Anchieta, quando eu era normalista,
se faltava professor eles chamavam alunas de lá para
dar aula. Quando eu comecei a dar aula, eu me baseei numa
ótima professora que tinha na escola, a Ivone. Eu fui
dar aula para o terceiro ano. A sala dela ficava encostada
na minha sala; aí eu ia lá, olhava como ela
dava aula, voltava, e dava a mesma aula que ela dava. E eu
fui bem feliz, graças a Deus! Sempre passei alunos,
meus alunos até hoje são ótimos.
Depois eu entrei na Escola Romão Puiggari,
por concurso. Lá sempre trabalhei com quarta série.
Eu sempre gostei das carteiras em ordem, a classe limpa. Eu
era muito enérgica, amiga mas enérgica, então
a diretora dava a pior classe para mim, não era a pior
classe de alunos, porque não existe aluno ruim. Mas
eram alunos rebeldes, alunos que brincavam na sala. Eu chegava
sempre quase meia hora antes porque, para você ter disciplina
numa classe, eles precisam estar trabalhando, estar escrevendo.
Eles chegavam e colocavam aquele plástico na carteira
e já tinha lição de Linguagem; enquanto
eles faziam uma lição eu já corrigia,
já passava Matemática.
E, geralmente, havia professoras lá
que falavam: "Olha, Guimarães, você pode
dar aula de Matemática e Português na minha sala,
e eu dou História, Geografia e Ciências?"
Então, a gente trocava.
O que eu mais gostava de ensinar era Música.
Dava orfeão, os cantos pátrios. Na hora do recreio,
antes de entrar, eles também cantavam.
Ensinar na Alfabetização
de Adultos
Quando eu saí da Padre Anchieta eu dei aula de alfabetização.
Alfabetização de adultos era como o seriado
de hoje. Numa sala eu tinha, mais ou menos, 50 alunos na sala,
e eu dava aulas para primeira série, para segunda série,
para terceira série e para quarta série, na
mesma sala.
Funcionava assim: eu chegava, passava a lição
para a terceira e quarta séries, explicava. E enquanto
eles iam fazendo os deveres, eu alfabetizava a primeira série.
Eram aqueles trabalhadores braçais, do Norte e Nordeste;
de São Paulo eram poucos. Pegava na mão deles
para alfabetizar direitinho.
Até para o meu curso de alfabetização
de adultos eu dava canto. Eles cantavam essas músicas
antigas, essas valsas. Eu fazia o orfeão, fazia duas
vozes. E os adultos cantavam. Eles adoravam porque era uma
coisa diferente. Não era só lição.
Todos eles cantavam, vinha um com violão para tocar...
Ritos e Comemorações na
Escola
Toda quarta-feira hasteava a bandeira e eles iam para a Igreja
do Bom Jesus, em frente da Escola Romão Puiggari. Toda
primeira sexta-feira do mês mandava rezar a missa lá
e ia a escola inteira; quem não era católico
ficava com o professor que não era católico,
dando aula de religião. Tinha japonês, tinha
muito aluno coreano, eles não eram obrigados a ir,
mas eu deixava o professor: "Você não é
católica, então você fica dando aula aqui
para todos os alunos que não vão na igreja",
e o professor ficava lá.
Hasteava a bandeira e cantava também.
Quando tinha, por exemplo, a Independência do Brasil,
a gente fazia festa lá na escola. Todas iam lá
para o recreio, cantavam, faziam demonstrações.
Dia da Bandeira também.
Trabalhar como Diretora
Quando eu era diretora houve muitas mudanças que a
Secretaria de Educação fez, para melhor. Já
faziam programação, por exemplo, para a parte
de Ciências. Eles iam lá para se informar, fazer
aquelas pesquisas. Tiraram aquela coisa toda decorada. Ficou
diferente.
A alfabetização também mudou. Tiraram
aquela cartilha, muitas professoras usavam o método
antigo com o método moderno, juntavam. Depois elas
foram se ambientando com o modo da Secretaria da Educação.
Pelo menos da parte de alfabetização foi tudo
muito mudado, foi da água para o vinho. Foi muito difícil.
Havia vários cursos que a Secretaria de Educação
programava para professores. Então eles foram se entrosando.
Como agora, há muitos cursos na Diretoria de Ensino,
há muitos cursos que formam os professores de primeira
a quarta série. Então os professores vão
lá, se atualizam bem. Eu acho muito certo que não
tenha só coisa antiga, tem que se programar para o
bem, para o melhor
Aposentadoria
Antigamente, eu acho que o professor alfabetizava bem melhor
do que agora. Mas a gente tem que se modernizar, a gente não
pode ficar sempre atrasado. Tem que sempre estar atualizado.
Por isso que a gente tem que se aposentar e dar lugar para
outra pessoa, para os moços. Dia 20 saiu a minha aposentadoria.
Valeu muito ser professora. Se eu voltasse
para o mundo novamente, se eu morresse e voltasse, eu queria
ser professora. Mas professora como eu fui. Eu nunca gostei
de ser diretora de escola, de ser supervisora, eu nunca quis
ser nada. Eu sempre quis ser professora para lidar com os
alunos, na alfabetização de adultos, que eu
lidei, com as crianças. Sempre quis ficar na escola.
Como eu fiquei no Romão Puiggari, 38 anos, minha vida,
é uma vida, eu fiquei.
Futuro da Escola
A escola que é alicerce da criança e de todos.
A escola é o alicerce. Quando eu comecei na Romão
Puiggari, as crianças tinham um poder aquisitivo bem
melhor. Não tinha, como eu tenho agora, crianças
de debaixo do viaduto, dos abrigos. Hoje a criança
vem sempre com fome, não tem em casa o que tem na escola,
a merenda. Têm algumas crianças que entram para
comer merenda duas, três vezes. Moram em casa de cômodos,
nos quartinhos, cinco, seis, sete pessoas num cubiculozinho.
Então, as crianças vão para a escola
e têm vontade de brincar no recreio, têm vontade
de jogar uma bola; elas chegam na escola e ficam alucinadas
para ir para o pátio, que é muito grande. Eu
tenho Inspetores de Alunos que brincam com as crianças,
tocam música, cantam com as crianças. O recreio
é um recreio bom para as crianças que não
têm nada em casa, para se orientarem, para brincarem.
Eu tenho muita pena dessas crianças, das minhas crianças.
Precisa preparar os professores para trabalhar com essas crianças
e também precisa melhorar o poder aquisitivo na parte
da escola para fazer essas crianças ficarem melhor.
Porque sem dinheiro você não pode fazer nada.
Os professores precisam fazer esses esforços, conversarem
lá, como eu aprendi no curso de Gestão, para
saber lidar com os alunos.
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