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Folha de São Paulo - 12.06.08 |
A volta da filosofia
A coluna de hoje será agitada. Começo traindo a classe. Embora eu tenha formação acadêmica na área de filosofia, vejo com desconfiança a recém-sancionada lei que torna obrigatório o ensino desta matéria e da sociologia nas três séries do ciclo médio em todo o país. A mudança, que não chega a ser uma revolução, pois as duas disciplinas já vinham sendo paulatinamente reincorporadas à rede, parece-me servir mais aos interesses de sindicatos e a um certo populismo educacional do que à causa do ensino propriamente dita.
Antes de prosseguir eu gostaria de desfazer alguns enganos comuns. Não, a filosofia não "ensina a pensar" nem a "ser ético". Trata-se de uma disciplina como outra qualquer. O aluno é apresentado a um universo conceitual específico e, depois, nas provas e trabalhos, instado a mostrar como lida com as novas "ferramentas". Não há mágica nenhuma. Não é porque o estudante vai ler textos que refletem sobre a aquisição do conhecimento, por exemplo, que se tornará mais apto a conhecer. De modo análogo, estudar como determinados autores pensaram a moral e a ética não é em absoluto garantia de que o aluno se tornará um ser mais moral e mais ético.
Concordo que, pelo menos no ciclo médio, é preciso alargar os horizontes do aluno. Não dá para ficar só ensinando português e matemática e as matérias "clássicas" como física, biologia, história. É preciso passar também algumas referências relevantes da cultura e da ciência ocidentais. A filosofia é uma boa candidata, mas está longe de ser a única. Por que não história da arte, direito, estatística, psicologia, medicina? O melhor, creio, seria deixar para cada escola definir o que convém mais a seu público. É esse espírito anarco-autonomista, que constava da redação original da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a popular LDB, que vem sendo revertido nos últimos anos.
Em termos práticos, a nova lei não muda muita coisa. Desde 2006 uma resolução do Conselho Nacional de Educação já obriga as escolas de ensino médio a ministrar as duas matérias. É claro que uma lei é mais forte do que uma resolução, e isso poderá levar os conselhos estaduais que vinham enrolando na implantação da norma a andar mais depressa. A principal alteração está na especificação de que as disciplinas devem ser oferecidas nas três séries do ensino médio. Pela resolução bastava uma. É aí que reside a esperteza dos sindicatos de sociólogos, que viram sua reserva de mercado multiplicar por três. Eu não saberia explicar por que os filósofos, que são provavelmente a única categoria sem representação sindical, também entraram na festa. Imagino que isso se deva ao fato de a disciplina, por razões que a própria razão desconhece, ainda gozar de um prestígio quase reverencial.
A turma da direita já saiu gritando que o novo diploma vai institucionalizar a doutrinação esquerdista. É um risco, admito. Mas há também um outro que eles não apontam: como as faculdades de filosofia dificilmente serão capazes de fornecer a legião de professores necessária para suprir a demanda, as escolas tenderão a recrutar seus docentes pela habilitação mais próxima da filosofia, que é a teologia. E se há algo tão ruim quanto um exército de marxistas vulgares armados de discursos antiimperialistas é uma hoste de padres brandindo catecismos. Pior mesmo só se forem clérigos disparando teologia da libertação, que junta as mais capengas categorias do marxismo ao mais caricatural reacionarismo católico, mas deixemos esse cenário apocalíptico de lado.
Meu propósito central nesta coluna é mostrar que a volta da filosofia e da sociologia ao ciclo básico não passa nem perto de ser uma solução para a grave crise que a educação enfrenta hoje.
O regime militar foi criticado, com razão, por ter eliminado, em 1971, as duas disciplinas do então colegial. Fê-lo por razões muito mais pragmáticas do que teóricas: essas matérias agregavam um número desproporcionalmente grande de professores com idéias de esquerda. É um erro, entretanto, considerar, como alguns ainda o fazem, que a extinção da filos
http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/helioschwartsman/ult510u411269.shtml
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