> Sistema Documentação
> Memorial da Educação
> Temas Educacionais
> Temas Pedagógicos
> Recursos de Ensino
> Notícias por Temas
> Agenda
> Programa Sala de Leitura
> Publicações Online
> Concursos & Prêmios
> Diário Oficial
> Fundação Mario Covas
Boa tarde
Quarta-Feira , 15 de Maio de 2024
>> Notícias
   
 
A vida de quem tem memória autobiográfica perfeita


Estadão.com - 17.07.08

A vida de quem tem memória autobiográfica perfeita

Fernando Reinach*

A literatura científica contém algumas dezenas de casos de pessoas que têm memória excepcional. Desde que o psicólogo russo A. R. Luria investigou e relatou em detalhes os casos dos pacientes S e VP em um livro que se tornou clássico (The Mind of a Mnemonist), muitos outros foram estudados. Há casos de pessoas com memória visual perfeita, que após observar um prédio como o Museu do Louvre por dez minutos são capazes de desenhá-lo com todos os detalhes. Outros, como é o caso de S, memorizam listas enormes de números ou palavras. Mas um dos casos mais interessantes é AJ, com memória autobiográfica perfeita: lembra de tudo que ocorreu em cada dia de sua vida.

Apesar de esses estudos medirem e descreverem a memória excepcional desses indivíduos, não há depoimentos pessoais dessas pessoas, de como sua vida mental e afetiva foi influenciada por esse dom (ou maldição).

Agora isso mudou, com a publicação de um relato autobiográfico da paciente que sempre foi identificada como AJ. Em seu livro, Jill Price (o nome real de AJ) descreve a experiência de viver com uma memória perfeita.

Nossa atividade mental é alimentada por três fontes de informação. A sensorial - vinda dos olhos, dos ouvidos, do tato e do olfato - representa o presente, o instante em que vivemos. Dispomos de nossas memórias, que representam o passado ou o que sobrou dele. Finalmente, contamos com nossas fantasias e outros produtos da imaginação, que contribuem com expectativas sobre o futuro. De maneira simplista, podemos descrever nossa atividade mental como um bolo, repreparado a cada instante, a partir desses três ingredientes. Em muitas pessoas, o equilíbrio entre as três vertentes temporais está alterado - são as que deliram, contaminadas pelas fantasias, que reaprendem a cada instante, por terem perdido a memória, ou que estão isoladas do mundo real, por não terem acesso aos dados sensoriais do presente. No caso de Jill, sua vida mental é dominada pela memória perfeita do passado.

A memória de Jill é perfeita para todos os dias a partir de 1º de julho de 1974, quando tinha 8 anos. Se você mencionar uma data, ela diz o dia da semana, o que viu na televisão naquele dia, os diálogos e as experiências que teve. O contrário também vale: mencionado um evento - por exemplo, a morte da princesa Diana -, ela lembra que foi na noite do dia 30 para 31 de agosto de 1997, de sábado para domingo. Lembra tudo que fez naquele dia, com quem conversou e que roupa usava.

Mas a memória de Jill é fraca para eventos não autobiográficos e sua vida escolar nunca foi fácil. O peso de rememorar fatos e a dificuldade de esquecer experiências traumáticas é enorme.

O mais interessante no livro é como as memórias perfeitas da infância dificultaram seu amadurecimento psicológico. Frases da mãe, ditas na infância, atormentaram sua vida mental por anos. O peso enorme do passado dificultou o processo de se lançar em novos projetos de vida, ousar ou correr riscos. A descrição de sua vida sentimental é fascinante.

O relato autobiográfico de Jill é único. Semelhante a ele, só o famoso conto Funes, el memorioso, em que Jorge Luis Borges imagina como seria a mente de uma pessoa com memória perfeita.

*Biólogo - fernando@reinach.com

Mais informações em The woman who can''t forget de Jill Price, Free Press, NY, 2008

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20080717/not_imp207349,0.php

Free Press

Para mais informações clique em AJUDA no menu.

 





Clique aqui para baixar o Acrobat Reader