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Visita à terra dos negros


O Estado de São Paulo - 24.07.08

Visita à ''terra dos negros''

Demétrio Magnoli

Milton Gonçalves encarna um personagem protagonista na novela do horário nobre da Rede Globo. É uma boa notícia para todos os que apreciam a arte do grande ator. Devia ser motivo de celebração pelos grupos do movimento negro que apontam, com razão, a persistência de uma regra racial oculta na seleção de elencos no Brasil. Mas eles não gostaram, pois o personagem de Milton Gonçalves é um político corrupto. O deputado estadual José Candido (PT-SP) acusou o ator de prestar um "desserviço" ao movimento negro, passando "uma má impressão do negro à população". Se entendi direito, o corpo negro é imune à corrupção.

Numa entrevista a este jornal, o ator não se limitou a responder a Candido, mas ofereceu uma aula singela. Disse ele: "Algumas coisas mudaram na minha cabeça" depois de visitar a África: "Descobri que não sou um negro brasileiro, mas um brasileiro negro. Descobri que não sou africano, sou brasileiro." São descobertas incompreensíveis para os que nos governam.

Uma lei de 2003 tornou obrigatório o ensino de "história e cultura afro-brasileira e africana" nas escolas brasileiras. A determinação não se circunscreve a indicar uma temática, mas pretende orientar uma abordagem. Num parecer de março de 2004, destinado a esclarecer o espírito da lei, o Conselho Nacional de Educação afirma que o "fortalecimento de identidades e de direitos deve conduzir para o esclarecimento a respeito de equívocos quanto a uma identidade humana universal". Segundo a palavra impressa do Estado brasileiro, a humanidade se divide em raças e as crianças devem aprender que uma ponte racial liga os negros do Brasil a uma pátria ancestral africana.

"Não sou um negro brasileiro, mas um brasileiro negro." O ator está dizendo que a sua identidade principal emana da esfera política e tem como referência o conceito de cidadania, não o de raça. Os brasileiros, de todos os tons de pele, formam uma nação única, alicerçada sobre o contrato da igualdade perante a lei. A identidade brasileira constitui nossa identidade pública. No espaço privado, segundo opções pessoais, podemo-nos definir como negros, brancos, mestiços, gays ou corintianos.

"Não sou africano, sou brasileiro". A segunda descoberta esclarece a primeira - e esclarece muito mais. A África está no Brasil, de mil maneiras, e há inúmeros bons motivos para se falar mais da África na escola. O melhor foi explicado pela antropóloga Yvonne Maggie, no seu O Medo do Feitiço: Relações entre Magia e Poder no Brasil (RJ, Arquivo Nacional, 1992). Analisando a perseguição judicial contra as religiões mediúnicas, Maggie comprova a hipótese de que a crença na magia afeta pessoas de todas as cores e classes sociais no Brasil. Isso forma uma ponte essencial entre nós e a África. Mas essa ponte também conecta todos os brasileiros e faz de nossa mestiçagem algo mais profundo que o intercâmbio de genes. Mesmo assim, não somos africanos.

O Brasil é o Novo Mundo, a África é o Velho Mundo. No Brasil, o que vale não é a ancestralidade, mas a posição e a renda. Na esperança de inventar uma Europa tropical, o Império do Brasil distribuiu títulos nobiliárquicos, mas tais signos da diferença circulavam como mercadorias especiais no bazar dos privilégios simbólicos. Na África, como em tantos lugares da Europa, a linhagem de sangue define posições e regula relações. Atrás de uma fachada política de Repúblicas, as sociedades africanas continuam a girar à volta de constelações de reis tradicionais e líderes ancestrais. Sob certos sentidos, não é o brasileiro, mas o europeu que está mais em casa na África.

"Não sou africano." Ninguém é africano. África, no singular, é uma declaração de ignorância. As crianças dizem que algum lugar está na África, como se o continente fosse um país. Os europeus inventaram uma África singular para designar a "terra dos selvagens" e, mais tarde, a "terra dos negros". Os intelectuais negros dos EUA e do Caribe que formularam a doutrina do pan-africanismo beberam no conceito racial euro

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20080724/not_imp211074,0.php

O Estado de São Paulo

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