Acho que não existe mais arte, disse Lévi-Straus |
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Folha Online - 06.05.09 |
\"Acho que não existe mais arte\", disse Lévi-Strauss em entrevista ao \"Mais!\"
da Folha Online
O ano era 1993. Em entrevista ao caderno \"Mais!\" da Folha, o etnólogo e antropólogo Claude Lévi-Strauss (1908) afirmou que já não reconhecia mais a existência da arte em nenhum meio de expressão humana. \"Há alguns modos de expressão, que continuamos chamando por nomes tradicionais --pintura, música, literatura--, mas creio que sejam outras coisas. Não são mais as mesmas artes\", disse.
Conhecido como fundador da antropologia moderna, Lévi-Strauss --que completa 100 anos no dia 28 de novembro -- estava prestes a lançar o livro Saudades do Brasil, com fotos feitas no país nos anos 30, quando fez missões etnológicas em Mato Grosso e na Amazônia e esboçou as bases do estruturalismo, corrente que revolucionaria a antropologia em meados do século 20.
A sabatina do antropólogo, na qual ele fala sobre o papel da crítica de arte, o relativismo antropológico, as \"idéias ecológicas\" e o ceticismo está no livro \"Artes do Conhecimento\" e pode ser lida abaixo, na íntegra.
O livro \"Artes do Conhecimento\" reúne, ao lado de \"Conhecimento das Artes\", as 100 melhores entrevistas da primeira década do \"Mais!\" com intelectuais, pensadores e grandes nomes do teatro, cinema, literatura, artes plásticas, música e dança.
Leia abaixo a íntegra da entrevista com Claude Lévi-Strauss publicada em 3/10/1993.
FOLHA - Por que o senhor decidiu concluir sua reflexão sobre o pensamento mitológico com História de Lince?
LÉVI-STRAUSS - Era preciso concluir em algum momento. Pensei que, se tinha conseguido mostrar alguma coisa sobre os mitos, o trabalho já tinha sido feito. Por que História de Lince em particular? Porque era um dossiê complicado, que eu carregava havia muito tempo, mas que tinha sempre deixado fora de meus livros, porque justamente colocava certos problemas de natureza muito específica que me teriam feito perder o fio da argumentação nos trabalhos anteriores. Era, portanto, o que chamamos em inglês an unfinished business [negócio inacabado]. Para fechar a minha reflexão, era preciso não haver mais essa lacuna, que era evidente. Várias vezes, na série \"Mythologiques\", tinha me referido a esse problema sem realmente tratá-lo.
FOLHA - A ideologia bipartida, o pensamento duplo dos ameríndios, que o senhor trata em História de Lince, é o que permite a integração do inimigo entre os povos indígenas da América. Seria um germe suicida dessas sociedades?
LÉVI-STRAUSS - É um problema imenso. É evidente que os ameríndios tinham, em seu sistema de pensamento, um lugar livre para o que não era ameríndio precisamente. Tudo depende então do que pode surgir para preencher esse lugar vazio. É uma divagação, mas poderíamos imaginar muito bem que, quando os espanhóis e os portugueses chegaram ao México, ao Peru e ao Brasil, tivessem tido outras intenções. Poderíamos imaginar uma grande aliança que se teria produzido no século 16 entre os Habsburgos [dinastia que na época reinava na Espanha] e os astecas. Se tivesse havido tal aliança, ela teria mudado a face do mundo.
FOLHA - O relativismo antropológico, do qual o senhor é um fundador...
LÉVI-STRAUSS - De jeito nenhum. Não sou fundador do relativismo antropológico. Ele existe desde Montaigne [1533-92].
FOLHA - De qualquer jeito, o relativismo antropológico não teria reproduzido nas sociedades ocidentais contemporâneas um pensamento análogo, uma estrutura equivalente hoje à ideologia bipartida dos ameríndios, já que propõe a co-habitação com culturas exteriores?
LÉVI-STRAUSS - Alguns podem fazê-lo e pensar dessa forma talvez. Mas eu não iria tão longe. Para mim, o relativismo cultural não tem conteúdo positivo. É simplesmente a constatação de que não dispomos de nenhum critério absoluto para julgar uma cultura em relação a outra. Eu paro diante dessa incapacidade. Nã
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u471632.shtml
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