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O papai noel de chuteiras


Artigo de Marcos Caetano no jornal O Estado de S.Paulo 22/12/2003

Pai e filho caminhavam numa tarde úmida e calorenta de dezembro pelas ruas de Madureira, em busca dos complementos da ceia de Natal. Coisas simples, porque simples seria a ceia de sua família. Uma cidra vagabunda, nozes, um panetone caseiro, o tosco pão de rabanada, que as mãos enrugadas e trêmulas da avó transformariam em iguaria, e umas poucas castanhas - se o dinheiro desse para tal luxo. Ao adentrarem o confuso Mercadão de Madureira, com as compras ainda longe do fim e o dinheiro já bem perto dele, o filho comenta: "Não se preocupe com as castanhas, pai. Já temos nozes e você sabe que eu gosto mesmo é da rabanada que a vó Dorinha prepara. Ela já não lembra bem da receita, mas a mãe tem tudo anotado e não vai deixar azedar, como no ano passado." O pai, num misto de nostalgia e orgulho, passa a mão na cabeça do filho, que, intrigado, dirige sua atenção para alguém na porta de uma pequena loja de bugigangas: "O Papai Noel não usa botas? Então por que será que aquele ali está calçando chuteiras?"
O tal Papai Noel era um homem de uns 60 anos, precocemente envelhecido, cujo aspecto era agravado por uma barba tão branca e tão postiça quanto os dentes que exibia ao sorrir e pela fantasia puída de cetim vermelho, adornada com pedaços de arminho encardido. Suas calças tinham as bainhas tão curtas que era impossível não reparar nas anacrônicas chuteiras. Como estava postado abaixo de uma grande lâmpada de mercúrio, o Papai Noel de chuteiras via-se envolvido por uma nuvem daqueles cupins alados, que costumam invadir a cidade no final do ano.
"Não, filho. O Papai Noel de verdade não calça chuteiras. Mas aquele ali é um Papai Noel de mentirinha" - explicou o pai, enquanto o senhor que trajava o disfarce acenou para o menino, balançando a sineta que trazia numa das mãos. Foi aí que o pai reparou que, além das velhas chuteiras, o Papai Noel usava meiões com as cores do Fluminense. E então, sabe-se lá por que processos da memória, ele reconheceu naquela figura triste um jogador de futebol que povoou as tardes da sua infância.
"Desculpe, mas o senhor não é o Juca, que jogou na Máquina de 75 e 76?" - perguntou o pai. "O que é isso, meu jovem? Não está vendo que eu sou o Papai Noel?" - devolveu o bom velhinho. "Não se preocupe pelo menino. Ele sabe que o Papai Noel de verdade só aparece na noite de Natal."
Imediatamente, o senhor arrancou a barba falsa, enxugou o suor da testa com a barra de arminho da túnica e disse: "Fazia uns dez anos que ninguém me reconhecia. E aí você me identifica mesmo por trás da barba. Puxa, você deve gostar muito de futebol! Muito prazer. Juca Pereira, lateral-esquerdo. Mas agora que tal você me pagar uma cerveja?"
Os três caminharam até um bar, onde o ex-jogador continuou sua história. "Eu fui reserva do Rodrigues Neto naquele timaço do Flu. Só que eu já era veterano quando o time deslanchou. Joguei pouco e, para falar a verdade, pendurei as chuteiras no final de 75. Bons tempos, aqueles..."
Sensibilizado, o pai perguntou: "Me diga uma coisa, Juca. Valeu a pena ter sido jogador e hoje em dia ter de fazer esses bicos para sobreviver?"
O veterano tomou um gole de cerveja e falou: "Para responder a essa pergunta, eu vou de que contar uma história. Nápoles - não sei se vocês sabem - sempre foi desprezada pelo resto da Itália. Uma cidade pobre, habitada por gente simples, como nós, que jamais havia visto seu time sair campeão. Pois lá pela segunda metade dos anos 80, um grande craque jogou no time de Nápoles. Esse craque foi o Maradona. E com seus gols, suas arrancadas, seus passes geniais, seus dribles impossíveis, o Napoli foi campeão pela primeira vez na história. No dia seguinte ao da conquista do título, o muro do cemitério da cidade amanheceu pichado, com uma frase claramente endereçada aos defuntos: 'O que vocês perderam!...'."
O garoto perguntou ao Papai Noel de chuteiras o que tinha a história de Nápoles a ver com a pergunta que seu pai fizera, ao que o velho redargüiu:
"Se eu me arrependi de ter sido jogador? De não ter jogado numa época em que qualquer

http://txt.estado.com.br/colunistas/marcos/03/12/marcos031222.html

O Estado de São Paulo

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