Um presente de Natal. Diretamente de Marte |
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Publicado pelo jornal O Estado de S.Paulo 24/12/2003 |
É noite de Natal. Ao mesmo tempo em que milhões de crianças estarão espiando pela janela do quarto à espera de Papai Noel, cientistas e operadores da Agência Espacial Européia (ESA) estarão com os olhos grudados na tela do computador acompanhando, segundo a segundo, a entrada de um robô na superfície de Marte. Em vez de "Ho Ho Ho", esperam escutar um chamado de "bip bip bip", sinal de que a sonda Beagle 2 pousou seguramente no solo marciano. A primeira missão européia ao planeta, projetada para buscar sinais de água e vida, deve aterrissar às 0h54, horário de Brasília.
Serão momentos de tensão para a ESA e para astrônomos ao redor do mundo.
Desde que foi lançada do deserto do Casaquistão no dia 2 de junho, a Beagle 2 viajou dezenas de milhões de quilômetros nas costas do satélite Mars Express. Até que, na sexta-feira, foi liberada para entrar na órbita do planeta, a bordo de um módulo de proteção, parecido com um disco voador.
Às 0h47 de amanhã, a nave alienígena cruzará a tênue atmosfera marciana a mais de 20 mil quilômetros por hora. Em questão de minutos, o casulo de proteção será liberado e a Beagle 2 cairá de pára-quedas sobre o solo marciano, amortecida por um conjunto de airbags. Se tudo correr como planejado, ela quicará 12 vezes, como uma bola de basquete, até repousar na Isidis Planitia, uma bacia sedimentar na qual vestígios de vida podem estar preservados.
A Beagle 2, cujo nome é uma homenagem ao navio de Charles Darwin, é um robô de 33 quilos, do tamanho de um guarda-chuva aberto, equipado com um braço mecânico capaz de realizar uma série de análises do solo e da atmosfera marciana. Fechado, parece um grande relógio de bolso. Sua missão na Isidis Planitia deve durar 180 dias. A Mars Express permanecerá na órbita de Marte, mapeando a superfície do planeta e retransmitindo as informações do Beagle 2 para a Terra.
Telespectadores terão de esperar um pouco pelas transmissões marcianas. Caso o pouso transcorra sem problemas, a Beagle 2 emitirá um sinal contínuo - o tal "bip bip" - que poderá ser captado pela sonda Mars Odyssey, da Nasa, que já está em órbita de Marte, ou pelo Observatório Jodrell Bank, na Grã-Bretanha. A própria Mars Express só deverá estabelecer contato com a Beagle 2 no dia 3 de janeiro, quando será possível transmitir as primeiras imagens do planeta para a Terra.
Também em janeiro, Marte será invadido por outros dois robôs: o jipes Spirit e Opportunity, da Nasa, projetados para procurar vestígios de água do passado marciano. Será a maior investida científica no planeta dos últimos 40 anos. E as perspectivas de sucesso não são das mais animadoras. Desde o vôo da Mariner 4, em 1964, dois terços das missões enviadas a Marte fracassaram. "Aterrissar em Marte é muito, muito, muito difícil", afirma Ed Weiler, da divisão de Ciências Espaciais da Nasa. "O fato de que todo mundo fracassou a maior parte das vezes é indicativo disso."
O local exato onde a Beagle 2 cair será crucial para o desempenho da missão, já que ela não possui rodas. A sonda está capacitada para procurar material orgânico no solo e nas rochas ao seu redor. Também pode fazer imagens do terreno e analisar a atmosfera à procura de metano, um gás indicador de atividades biológicas.
Apesar do seu presente árido, há muitas indicações de que Marte já teve grandes quantidades de água em sua superfície. E se teve água, acreditam os cientistas, é possível que a vida também tenha se desenvolvido por lá, mesmo que apenas em forma bacteriana.
http://txt.estado.com.br/editorias/2003/12/24/ger011.html
O Estado de São Paulo
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