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Picasso nos dá vontade de viver


Artigo de Arnaldo Jabor em O Estado de S.Paulo 03/02/2004

Picasso mudou o olho humano. Cézanne já havia pintado a matéria íntima da natureza. (Ele disse: "Eu sou a consciência da paisagem que se pensa em mim"). Van Gogh já havia pintado o tempo. Isso. Cézanne recortou o espaço e Van Gogh captou o tempo. Olhem um Van Gogh e vejam o tempo passando sobre as coisas. Nada pára em Van Gogh: a igreja se move, os lilases ventam, a matéria fervilha em cada pincelada, as cadeiras, as camas, as coisas passam, em progresso, parece que vemos os átomos girando, os girassóis rodando, vemos a morte passando no rosto do doutor Gachet ou da Arlesiana. Depois, Picasso chega e pinta os dois: o espaço-tempo. Sua viúva disse que Picasso não podia ficar com a mão parada. Ele era taquipsíquico, não parava um segundo de ver o mundo dentro e fora dele. Mexia em tudo: de um peixe comido ele tirava a espinha e fazia uma cerâmica, um selim de bicicleta ele transformava em cara de boi, o regador em um homem, um automóvel em macaco, um beijo na praia em uma fome voraz entre corpos, virava uma mulher em flor e flor em mulher. Sua mão não podia parar - tinha de ficar desenhando para não enlouquecer.
Fez cerca de 36 mil quadros, além de esculturas, cerâmica, tudo. Esta exposição aqui na Oca de São Paulo (mais um gol de placa da BrasilConnects) mostra não a "importância" de Picasso na "arte", mas justamente sua recusa de ser "importante", de ser "metafísico", de ser um pintor "acima" da vida e de todos nós. Ele sempre quis ser um de nós. Picasso é um pintor popular.
Por isso é que as filas se formam para ver seus quadros e esculturas. As pessoas vão ali para se ver. Picasso era um rude espanhol, um torcedor de futebol, um comedor de mulheres, um glutão, um sacana aficionado por touradas e que não queria humilhar ninguém. Picasso era um espantoso retratista da realidade, só que a "realidade" para ele não era essa série de arestas e volumes verossímeis a que estamos acostumados, pousados no horizonte da perspectiva burguesa.
Picasso também nunca acreditou na babaquice do abstracionismo metafísico, que almeja uma platônica "essência" de algo finalmente flagrado, "para longe", "mais além" da aparência suja do mundo. Picasso sempre amou justamente esta face "suja" do mundo, sempre viveu em busca da figura, sim, da figura, mas que, para ele, era muitíssimo mais constelada, muito mais complexa e mutante que as chatas realidades que o burguês chama de "naturais" ou "corretas". Picasso sabia que nada existe au delà de la vie, nada além da vida, nada over the rainbow", nada além do nosso olho que, este sim, pode ser ampliado como um telescópio ou caleidoscópio, para ver muito mais, se não estiver domesticado por ideologias ou delírios babacas. Picasso nunca precisou dos excessos do dada ou do surrealismo para sair 'fora" da aparência. Sabia que isso era impossível e ridículo, de certo modo. Nunca precisou de uma realidade "supra", em relação à figura naturalista. Picasso não deformava nada, como costumam dizer; ele é quem tinha outra forma, seu olho negro profundo que nos fita sem parar parece dizer: "Eu vejo todos os lados das caras, dos corpos, eu vejo as figuras dentro das outras, eu vejo o espaço entre as pessoas, as linhas invisíveis que as ligam, os vazios dentro delas, eu vejo também o ridículo da beleza como algo 'sublime' a se chegar.
Não há nada a se atingir, por isso a minha frase 'Não procuro; acho' é tão mal interpretada. Ela não quer dizer que eu tenho talento ou algo assim.
Não. Essa frase quer dizer que eu não sei, antes, para onde estou indo; eu só chego ao quadro ao final. Raramente sei o que farei, a priori; por isso (cá entre nós), meu pior quadro é Guernica, feito sob encomenda para criticar a guerra... É legal, mas meio alegórico..." Picasso é um grafiteiro. Não busca "auras". Seus quadros são até mal acabados, nas coxas, como o cotidiano. Picasso é sadio. Nunca teve a romântica amarelidão do sofrimento em busca do "sentido" ou do "belo". Adorava viver e pintava a própria vida, felicíssimo, de bermuda, rindo, comendo, trepa

http://txt.estado.com.br/colunistas/jabor/04/02/jabor040203.html

O Estado de São Paulo

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