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Artigo de José Arthur Giannotti na Folha de S.Paulo 08/02/2004 |
Todo mundo sabe que, nas últimas décadas, a esfera pública, em todos os seus domínios, vem sendo comida pelas bordas, seja porque seus espaços vão sendo privatizados, seja ainda, no caso mais grave, porque o próprio Estado cai sob ataque direto dos partidos totalitários que com ele se confundem. O que agora me preocupa, entretanto, são aquelas tentativas de defesa do público que se revelam, em última instância, estratégias desenvolvidas no sentido de sua privatização. Trata-se de uma ideologia defensora do público, cujo resultado é seu contrário. Não está ela presente em toda a discussão da reforma universitária? Já que a questão volta à tona ao ser colocada como prioridade pela nova equipe que assume o Ministério da Educação, já que convém evitar os perigos do liberalismo, de um lado, e do populismo, de outro, sou levado a participar do debate, no fundo mais por vício do que pela esperança, pois tenho assistido, desde o início do governo Sarney (1985-90), apenas a conversas fiadas sobre esse assunto. É fácil indicar a causa da paralisia das políticas públicas a respeito das instituições universitárias: sua reforma profunda encontra tantos obstáculos políticos e deve enfrentar tantos interesses constituídos -principalmente agora que o ensino universitário privado atende por volta de 70% do alunado- que os grupos políticos recuam diante do tamanho da tarefa, do vulto dos interesses a serem confrontados, contentando-se no máximo com reparações plásticas. Não é o conteúdo da reforma, porém, que gostaria de discutir aqui, mas uma questão prévia, ligada ao próprio sentido do que vem a ser uma instituição pública no mundo contemporâneo. Não se fará reforma universitária sem que se regulem os institutos do ensino superior público e privado, ambos absolutamente necessários ao bom funcionamento do sistema. Daí a pergunta preliminar: que tipo de universidade pública queremos?
Qual universidade?
É possível advogar uma solução hiperliberal: visto que, no mercado, os vícios privados tendem a se transformar em virtudes coletivas graças aos mecanismos da concorrência e da compensação das vantagens marginais, pouco importa o tipo de propriedade -estatal, particular, confessional- a que fica subordinado o instituto universitário, desde que venha a cumprir funções públicas tais como oferecer ensino de boa qualidade, manter pesquisas de ponta e ter bom relacionamento com a comunidade onde se localiza. Não me parece, entretanto, que essa proposta corresponda a nossas tradições nem que resolva um dos maiores problemas que afetam o ensino e a nação como um todo: uma universidade liberal não contribuiria com nada para diminuir as injustiças sociais que nos envergonham. Em contrapartida, a solução meramente estatal se mostrou ineficaz, pois, em primeiro lugar, os recursos públicos tendem a ser apropriados por uma burocracia esclerosante, cujos interesses próprios são colocados acima de todos os outros. Em segundo lugar, o ensino superior se transformou num mecanismo de aprofundar as distâncias sociais, beneficiando os alunos mais abonados em prejuízo dos mais pobres. Não me interessa aqui a proporção de alunos pobres que, graças à gratuidade do ensino superior, conseguem obter seus diplomas. Observo apenas que a gratuidade não garante o sentido público de uma instituição e me limito a constatar que uma parte significativa das vagas nas melhores universidades públicas é ocupada por estudantes que poderiam pagar seus estudos, tal como o fizeram, aliás, durante os anos em que freqüentaram o ensino médio. Não seria mais do que justo pagar seus estudos, principalmente agora que a penúria dos cofres públicos emperra o bom funcionamento da universidade? Entretanto a pergunta está, a meu ver, mal formulada. Antes de tudo, é preciso saber que tipo de instituições públicas queremos, sendo que nossa vontade, convém lembrar, vai contribuir para determinar o significado de ser público.
Leia o artigo na íntegra em:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs0802200408.htm
Folha de São Paulo
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