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Publicado pela Revista E, do Sesc/SP fevereiro de 2004 |
O seminário TVQ - Criança, Adolescente e Mídia, realizado no Sesc Vila Mariana, reacendeu a discussão acerca da qualidade do mais popular veículo de comunicação. Fonte única de informação para um assustador contingente de pessoas, a televisão encontra-se na mira de uma sociedade preocupada com o seu conteúdo. A seguir, o jornalista Laurindo Lalo Leal e a presidente da TVE Rede Brasil, Beth Carmona, debatem o tema
As três combinações perversas da televisão brasileira
A questão da qualidade da programação da televisão brasileira possui raízes fortes e muito bem escondidas.
Criticar um ou outro programa considerado de mau gosto é importante, mas é pouco. Não basta analisá-los isoladamente, é preciso entender por que eles existem e conquistam audiência. Para tanto torna-se necessário compreender o modelo institucional de radiodifusão implantado no Brasil, cristalizado de tal forma ao longo dos seus oitenta anos de história que, hoje, parece ser único e imutável.
A televisão surgiu em 1950 como herdeira do rádio, tanto no conteúdo como nas suas relações com o Estado e a sociedade. E ao longo dos últimos cinqüenta anos esse modelo vem se tornando cada vez mais refinado, garantindo a sua imutabilidade. Hoje a televisão brasileira se apóia em três combinações, que considero perversas e que explicam o misto de deslumbramento e apatia com que a sociedade brasileira se relaciona com o seu mais poderoso meio de comunicação social.
Combinou-se aqui: 1) uma televisão de alta qualidade técnica com a impossibilidade de acesso da maioria da população a outras fontes de informação; 2) uma oferta aparentemente gratuita de programas na TV com a falta de regulação legal sobre o seu funcionamento; e 3) a lembrança ainda viva da censura com a ascensão e hegemonia do modelo neoliberal.
Essas três combinações sustentam um veículo capaz de organizar a sociedade a partir de idéias e valores dos grupos sociais que o têm sob controle, estando ao mesmo tempo imune a qualquer tipo de acompanhamento crítico institucionalizado. Sua atuação sobre a sociedade é difusa, e o detalhamento das três combinações perversas acima mencionadas pretende lançar algum tipo de luz sobre ela.
A primeira mostra uma avançada indústria televisiva, apoiada numa sofisticada rede de comunicações produzindo programas de alta qualidade técnica, com uma embalagem estética altamente sedutora. Essa beleza de luz, cores e sons transita em canais limpos, livres de ruídos e interferências inconvenientes. Com isso conquistam-se o olhar e a mente dos telespectadores, potencializando o poder intrínseco do veículo.
A essa força quase irresistível combina-se a impossibilidade da maioria da população de ter acesso a outras fontes de informação e entretenimento. Em países ricos, onde a distribuição de renda é mais equilibrada, o poder da televisão é relativizado pelo acesso aos jornais, livros, filmes, peças teatrais e até pela possibilidade maior de viajar. Nas nações com perfil de renda semelhante à do Brasil, a televisão está longe de atingir os padrões tecnológicos alcançados aqui e é, portanto, menos sedutora ou ainda compete com outras faces da indústria cultural, como é o caso do cinema na Índia. O caso brasileiro é único em todo o mundo.
Trata-se de uma combinação perversa que dá à televisão o poder de ser, para 95% da população brasileira, a única janela aberta para o mundo. Uma janela que recorta e edita a realidade segundo os interesses de quem a controla. E é sempre bom lembrar que estamos falando de uma concessão pública, outorgada pelo Estado em nome da sociedade. Não de uma empresa qualquer atuando apenas nos limites do mercado.
Ao receberem uma concessão, os beneficiados passam a usar uma faixa do espectro eletromagnético que é público, o que lhes impede de visar apenas a objetivos empresariais. Eles foram escolhidos para prestar um serviço de informação, educação e entretenimento e devem ser cobrados pela qualidade daquilo que oferecem à população.
http://www.sescsp.org.br/sesc/revistas/e/e_texto.cfm?Revista_ID=1&Edicao_Id=179&Artigo_ID=2698&maior=0&menor=0
Revista E, do SESC São Paulo
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