Cultura do medo determina vida do cidadão |
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Publicado pelo jornal Folha de S.Paulo 04/03/2004 |
Um fenômeno tão antigo quanto o mundo, em pouco mais de uma década, mudou de cara. A violência é hoje diferente do que sempre foi, constatam estudiosos do assunto. As teorias que a explicavam não dão mais conta do recado. Pela tese econômica, por exemplo, a razão da violência sempre foi a busca por ganho material (comida, dinheiro, carro, jóia etc.). Pela via política, ela é entendida como instrumento de oposição ao sistema vigente, diz o cientista político Paulo Mesquita, do Instituto São Paulo Contra a Violência. E hoje?
Hoje ela é banal, democrática, funciona como meio de expressão, especialmente de jovens, ocupa muito bem o espaço da falta de valores sólidos e gera nos cidadãos uma tremenda obsessão pelo medo, entre outros atributos. Refletir sobre eles ajuda a perceber como a violência determina a forma de viver e também ajuda a encontrar maneiras de escapar disso.
"A violência hoje é adotada como estilo de vida", diz Mesquita. Surge sem motivo aparente, de forma gratuita. Para o psiquiatra e psicanalista David Levisky, vice-presidente do Instituto São Paulo Contra a Violência, a fragilidade e a transitoriedade de valores que criam a identidade do indivíduo são os responsáveis por esse novo caráter da violência.
"A pessoa não encontra valores que a dignifiquem", seja na família, na escola ou nas instituições públicas. Dessa maneira, grupos se formam não em torno de uma ideologia, de uma ética comum --caso de gangues como a dos carecas e dos surfistas de trem. O que os une é a manifestação da violência em qualquer grau. "É a forma que encontram para expressar suas tensões, angústias, para dizer eu existo", diz o psiquiatra.
Já a banalização da violência, em que imagens e informações de dar medo se repetem sucessivamente no dia-a-dia --seja na rua ou dentro de casa-- e na mídia, legitima a violência física como forma de solução de conflitos, como um valor de afirmação, diz Levisky. É o caso do pai que diz para o filho que apanhou do amigo na escola para que volte e dê o troco ao colega.
Os efeitos de comportamentos violentos são, não apenas morais, mas fisiológicos. Em um estudo cujo objetivo era medir alterações hormonais em jovens expostos a cenas de violência, realizado na faculdade Cásper Líbero (SP), em 2000, foram constatadas variações significativas que condiziam com os testes de agressividade também realizados. Isso quer dizer que a exposição torna o jovem mais violento?
Segundo o autor do estudo, o especialista em psicofisiologia Kenji Toma, "há um risco real de prolongar a tendência agressiva e criar uma patologia social ou, então, criar uma insensibilidade à violência, que é absorvida passivamente e, no lugar de despertar a indignação, gera a apatia", diz.
O estado de indiferença e insensibilidade está associado a um modelo político-econômico em que tudo é descartável, dos bens de consumo aos meios de sustento, como o emprego, diz a historiadora e secretária-geral do Instituto Carioca de Criminologia Vera Malaguti. "Não há projeto nacional, políticas públicas, e as pessoas não podem nem ter projetos de vida. Vira um vale-tudo."
Tal modelo dissolve as seguranças concretas das pessoas e gera uma insegurança difusa, que não tem onde se apoiar: há medo da fome, da guerra, de perder o emprego, do desastre ecológico.
"Desgovernança planetária"
Para o economista Ladislau Dowbor, vive-se um momento de "desgovernança planetária", em que as instituições e a legislação ficaram defasadas frente à velocidade com que os agentes da violência (de uma organização terrorista a uma multinacional que frauda sua situação financeira) dominaram a tecnologia da informação.
"Com a internet, pode-se agenciar de prostituição infantil aos recursos financeiros de uma organização como a Al Quaeda. Ou criar empresas virtuais que permitiram à multinacional Enron esconder sua situação financeira do governo, dos cidadãos e de seus próprios parceiros", diz Dowbor. A nova violência é, também, globalizada.
Veja a íntegra em:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/equilibrio/noticias/ult263u3272.shtml
Folha de São Paulo
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