Publicado pelo site No Mínimo 22/03/2004

A nova mania entre meninos e meninas de classe média é se refugiar na ilha sem fantasia do dinheiro, lucro e competitividade, entrando de corpo e alma no mundo dos negócios. “Tive que abrir mão de muitas diversões, ingenuidades e responsabilidades, mas descobri que o trabalho me dá o prazer de ter a minha própria grana”, diz Amanda Bueno de Almeida que, aos 11 anos, abriu num shopping da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, sua primeira loja especializada em roupas para meninas de sua faixa etária. Agora, três anos depois, ela comemora o êxito de outras duas filiais e se lambuza no mel do sucesso pessoal. Na semana passada, uma publicação voltada para o planeta teen a igualou à cantora Sandy, à modelo Yasmin Brunet e à ginasta Daiane dos Santos, elegendo Amanda como uma das garotas mais poderosas do Brasil. “Mas eu quero mais”, ambiciona a adolescente carioca. “Quero abrir mais lojas, tentar outros empreendimentos, ir além.”

Tudo começa nas salas de aula. É cada vez maior o número de escolas de grandes e médias cidades, como Rio, São Paulo, Ribeirão Preto e Santa Maria, que estão ensinando seus alunos a sobreviver no universo capitalista, oferecendo atividades curriculares voltadas para economia e finanças. Só que, à medida em que decifra as leis do mercado, a meninada passa a não se contentar com o bê-à-bá econômico e, desrespeitando fronteiras, invade o mundo adulto e, não raras vezes, consegue se manter com mais objetividade. Atento a movimentação dessa legião de novos empreendedores, o Sebrae acerta parcerias com estabelecimentos de ensino e organizações não-governamentais, hasteando sua bandeira de cores empresariais no território da primeira infância. “Em um país sem rumo e sujeito a todo o tipo de sobressaltos, é bom que as crianças aprendam desde cedo a seguir um caminho e façam as coisas acontecer”, afirma a mãe de Amanda, a dona de casa Andréa Bueno de Almeida. “Nossos alunos são encorajados a pegar de imediato as rédeas de suas vidas, a fazer suas escolhas e, por isso, rejeitamos a filosofia de que os estamos preparando para um amanhã melhor”, emenda a pedagoga Celma Villaça. “O amanhã é hoje, o futuro é agora.”

Matemática no supermercado

Diretora do Colégio Anglo-Americano, que se divide em três unidades na zona sul do Rio, Celma Villaça explica que a escola propicia a seus alunos uma trajetória linear ao auto-conhecimento, sublinhando características como liderança e iniciativa. Entre os 7 e 9 anos de idade, meninos e meninas são incentivados e tratados como empreendedores. Assim, eles se familiarizam com termos como adaptabilidade, competitividade, marketing, promoção, negociação e trabalho em equipe. Com o auxílio luxuoso de uma ONG chamada Junior Acctivent - dirigida por executivos de grandes organizações, a Shell e a Gerdau entre elas -, os estudantes montam uma empresa, escolhem o produto que irão comercializar e com o valor arrecadado pagam os custos do investimento. No final de cada ano, quando a empresa fecha as suas portas, o lucro serve para patrocinar uma festa, um passeio ou para ajudar uma entidade assistencial. “Com essa experiência, a criança vive o mundo real e faz uso das ferramentas necessárias para a sobrevivência de qualquer ser humano”, afirma a pedagoga.

Nada é muito diferente das preocupações pedagógicas de duas escolas paulistas. No Colégio Magister, alunos da quinta e sexta séries se desdobram em temas que vão do consumismo aos preços e qualidade de produtos. Todas as matérias curriculares priorizam a atualidade. Em matemática, por exemplo, os estudantes são instigados a fazer pesquisas em supermercados e depois desenhar gráficos comparativos. Em português, dissertam sobre as maravilhas e armadilhas do consumismo e mais tarde, numa aula de filosofia, são orientados sobre o valor e o uso do dinheiro. “Ensinamos que o consumismo deve ser uma atitude consciente e que eles não podem ser levados à loucura de comprar sem limites, comprar por comprar”, afirma a coordenadora Cleide Fernandes Ruy.
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