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O ‘l33t5p33k’ e a língua do pê


Artigo de Sérgio Rodrigues no site NoMínimo 27/08/2004

A coluna da semana passada, sobre a presença marcante de emoticons e abreviações na linguagem dos internautas (link ao lado), deu à leitora Fernanda Fragale um mote para externar sua irritação com as deformações a que a língua está sujeita no ciberespaço. “Vou tentar dar exemplos reais, já que eu não tenho esta ‘capacidade’ que muitas pessoas têm de escrever coisas deste tipo”, escreveu ela. “Lindu, kiseh, bjinhux, axim, axo, entaum, c (no sentindo do se reflexivo), kis, xego, fik, ksa, fikar. Até entender o que essas pessoas querem dizer, custa tempo e dá muita raiva.”

Fernanda não está só na sua revolta contra essa, digamos, radicalização daquele espírito lúdico que tem seu lado mais benigno nos risonhos emocitons. Ela mesma diz: “É interessante porque, enquanto há muitas pessoas que não se importam em escrever ‘axim’, outras não suportam, como eu. Há quem diga que devemos nos adaptar a essa ‘linguagem’. Erros corriqueiros de português ainda aceitamos em comunidade, mas escrever dessa forma é inaceitável.”

Acho bobagem dizer que todos precisamos nos adaptar, mas, discordando de muita gente, tampouco assino embaixo da indignação da leitora. Não, isso não significa que eu ache bacana, bonitinho ou mesmo vagamente interessante chamar não de “naum”, ou seja, escrever tudo errado. Passei dessa idade. Mas aí é que está o xis da questão: já tendo testemunhado algumas ondas do gênero se quebrando na areia – e depois refluindo sem deixar vestígios –, vejo no modismo nada mais que a antiga atração adolescente por bagunçar regras, chocar, criar códigos de uso restrito que os mais velhos, como diz Fernanda, “não suportam”. Faz parte do jogo que não suportem. Se suportassem, qual seria a graça?

Daí a ver nessa idiossincrasia – espécie de língua do pê do terceiro milênio – uma ameaça à integridade das línguas constituídas, como querem alguns, vai uma enorme distância. Ah, mas nem todo mundo que escreve assim é adolescente? Tecnicamente, talvez não, mas convém pensar duas vezes: mais do que idade, adolescência é estado de espírito. E ultimamente tem durado mais do que nunca.

As palavras que a leitora aponta são todas traduções pálidas para o português de um fenômeno muito mais cabeludo chamado l33t5p33k, ou seja, leetspeek, isto é, algo como “linguagem de elite”. Trata-se de uma invenção de hackers americanos que logo transbordou para o círculo mais amplo dos viciados em games e outras tribos reunidas em torno de computadores. Basicamente, o leetspeek é uma forma de grafar as palavras do inglês tradicional com algarismos e outros sinais gráficos no lugar da maioria das letras: 4 por A, 3 por E etc. Ao mesmo tempo comparecem algumas deformações baseadas na pronúncia, como “kewl” no lugar de cool.

Quem entende disso garante que há níveis de dificuldade no leetspeek – murmura-se que o mais alto deles só foi decifrado até hoje por três garotos espinhudos. O espírito, porém, é sempre o mesmo: restringir a comunicação a um grupo de iniciados. Já era o mesmo quando os primeiros jargões de bandidos e outros personagens do submundo passaram a merecer a atenção dos estudiosos de línguas, na Idade Média, como lembra o historiador inglês Peter Burke em “Línguas e jargões” (Editora Unesp, 1997). Aliás, vem daquele tempo a palavra “jargão”, que em português evoluiu ainda para “geringonça” – de contornos semânticos bastante apropriados quando se está falando de coisas como “bjinhux”.

O espírito de clube fechado é o mesmo também por trás da longa procissão de gírias que se sucedem, umas tornando as outras obsoletas, desde que a cultura ocidental inventou o que entendemos hoje por “juventude”. Apesar das inevitáveis – e previstas – reações irritadas, que são um direito de todos, não há indícios de que o fim do mundo tenha alguma coisa a ver com isso. Vale finalizar com uma ótima sacada de Burke: “Enquanto muitos grupos de pessoas definem sua identidade por meio do uso de jargão, um grupo, o dos críticos, define a sua por meio da rejeição do jargão dos outros”.

http://nominimo.ibest.com.br/notitia2/newstorm.notitia.presentation.NavigationServlet?publicationCode=1&pageCode=49&textCode=13116&date=currentDate&contentType=html

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