Diversidade além das cotas |
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Publicado pelo caderno Sinapse, da Folha de S.Paulo 28/09/2004 |
(Tatiana Lima)
Conta Nelson Rodrigues em "O Óbvio Ululante" (Companhia das Letras) que, em 1960, o filósofo francês Jean-Paul Sartre estranhou o público de uma conferência no Brasil: "E os negros? Onde estão os negros?". Após quase 40 anos, em 1998, um executivo negro do BankBoston fez as mesmas perguntas numa filial brasileira. Em resposta, ouviu que eles não trabalhavam ali, porque não tinham as qualificações necessárias —nem sequer concorriam às vagas abertas.
Esse foi o estopim para a criação do projeto Geração XXI, uma das diversas iniciativas de ação afirmativa que, de alguns anos para cá, vêm se espalhando pelo país, com o objetivo de fornecer meios para que jovens negros ou pobres consigam vagas em universidades e condições de assumir posições de destaque na sociedade. São ações dos mais diferentes tipos, desde cursinhos pré-vestibulares comunitários até universidade com foco na questão racial, passando pelas polêmicas cotas e por pontuação extra em vestibulares.
Idealizado pela Fundação BankBoston e administrado pelo Instituto Geledés, o Geração XXI começou no início de 1999, quando 21 estudantes negros de idade entre 13 e 15 anos passaram a estudar em escolas particulares e a receber acompanhamento pedagógico, vale-alimentação de meio salário mínimo, vale-refeição, bolsa mensal e assistência médica e odontológica. Ainda hoje os estudantes continuam assistidos pelo programa —apenas um não entrou na universidade.
Gustavo Martins da Silva, 20, aluno de tecnologia e mídias digitais na PUC-SP, diz que, se não fosse o programa, provavelmente, estaria fazendo um curso técnico e trabalhando. "Sempre tive vontade de fazer faculdade, mas era algo distante. O projeto foi um caminho mais rápido para alcançar esse desejo", afirma ele, filho de um soldador aposentado e de uma empregada doméstica.
Richele Manuel, 19, cursa jornalismo na Universidade São Marcos. Ela aponta outro mérito do projeto: muitas mães de beneficiados voltaram a estudar. "As oportunidades de ascensão social foram acontecendo." Seu pai é professor de geografia, e sua mãe, enfermeira.
Mas há iniciativas um pouco mais radicais. A Faculdade Zumbi dos Palmares, concebida pela ONG Afrobras, destina 50% das vagas a negros e é centrada na discussão da questão racial. José Vicente, presidente da entidade e reitor da faculdade, diz que faltava uma instituição em que os negros fossem protagonistas. A faculdade, em que quase dois terços (65%) dos 200 alunos são negros, começou suas atividades neste ano, por enquanto apenas com o curso de administração de empresas. "A escolha desse curso pretende criar lideranças empresariais negras ou que tenham em mente a questão racial", diz Vicente.
A quantidade de negros na Zumbi é exceção entre as universidade brasileiras. Segundo a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE) de 2002, pretos e pardos correspondem a cerca de 45% da população. Os dados do questionário socioeconômico do Exame Nacional de Cursos (Provão), porém, mostram que eram pretos ou pardos 24% dos estudantes dos 26 cursos analisados em 2003.
Uma das estratégias para amenizar essa desigualdade tem sido os cursos pré-vestibulares comunitários. Um dos mais antigos é mantido pela ONG Educafro. Ele começou em 1993, por iniciativa da Pastoral do Negro da Igreja Católica, e tem hoje 250 núcleos, cada um com cerca de 50 alunos (pobres, mas não necessariamente negros), dez professores e seis coordenadores. O cursinho também tem parceria com universidades particulares, como a PUC-RJ, que concedem bolsas aos aprovados.
Bruna Aparecida da Silva Oliveira, 19, freqüentou um cursinho comunitário mantido pela FIA (Fundação Instituto de Administração), em São Paulo. Atualmente, faz geociências e educação ambiental na USP. Também passou em agronomia na Unicamp e na Unesp. Ela é a primeira pessoa de sua família a ingressar na faculdade —seu pai é motorista desempregado, e sua mãe, empregada doméstica. "Quando tive a chance de me preparar para o vestibular, a agarrei com unhas e dentes."
Veja a íntegra em:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/sinapse/ult1063u923.shtml
Folha de S.Paulo
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