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Publicado pela revista Educação |
(Sérgio Augusto)
De vez em quando, aparecia por lá um fotógrafo. As famílias mais ricas acertavam com o lambe-lambe várias poses: uma com a família inteira, outra só com os avós e os pais, outra com os avós, os pais e os netos, outra só com os pais e os filhos, outra só com os filhos. Modesta, a família Alves Pinto resolveu tirar duas, no máximo três, chapas - a última só com os dois filhos que então havia na casa: Ziraldo, o primogênito, e Ziralzi, o provisório caçula.
Não, não estamos em Caratinga, embora ainda no interior de Minas Gerais, mais precisamente num arraial chamado Lajão, às margens do rio Doce, onde depois surgiria a cidade de Conselheiro Pena. Foi lá que o mais célebre nativo de Caratinga viveu dos 3 aos 6,5 anos.
Ziraldo, Ziralzi e o lambe-lambe já estavam a postos quando dona Zizinha, mãe dos dois, ordenou ao fotógrafo: "Ainda não!", e pediu à empregada que fosse lá dentro "buscar o melhor amigo do Ziraldo pra também sair na fotografia". Intrigado com o pedido, pois o único amigo digno de sair com ele numa fotografia era o irmão, Ziraldo só sossegou quando o seu "melhor amigo" finalmente chegou, trazido pela esbaforida empregada. Era um livro.
Este é o momento-chave, a pose emblemática de Ziraldo, o bibliólatra, o flagrante de uma vocação precoce, de uma predestinação. E pensar que aos 3 anos Ziraldo nem sabia ler ainda.
Intuição materna? Evidente. Intuição e indução. Dona Zizinha sabia direitinho qual o amigo que seu filho devia e merecia ter. Se bem que aquele colocado às pressas nas mãos de Ziraldo não estivesse preparado para a posteridade fotográfica. Manuseado além da conta, cheio de emendas e a capa recolada de cabeça para baixo, tampouco era um clássico da literatura. Mas nenhum outro o supera no ranking afetivo de Ziraldo. Aquele obscuro e estropiado livro, mais de ilustrações que de textos, virou, para ele, uma proustiana madeleine.
Que melhor madeleine ou talismã poderia ter o mais devotado incentivador da leitura e o mais bem-sucedido autor de livros infantis do Brasil?
Ensinar o Ziraldo a ler em pouco tempo foi outro feito de dona Zizinha, a verdadeira supermãe. Isso já em Caratinga, quando ele finalmente foi para a escola, aos 7 anos, sob os ecos dos primeiros tiros da Segunda Guerra Mundial. Aprendeu o bê-á-bá da maneira mais eficaz, ou seja, silabicamente. As letras, Ziraldo já as conhecia, ajudado pela mãe, que as transformava diante dos olhos do filho em coisas vivas. O "a" era uma escadinha, o "ésse" era uma cobra. Agora vocês já sabem de onde veio a idéia do ABZ do Ziraldo (Melhoramentos, 24 volumes, 24 págs., R$ 19 cada)
Juntar as letras, contudo, eram outros quinhentos. "B", tudo bem; "bá", nem pensar. "Você vai abrir a boca, como quem vai dizer 'bê'", ensinou-lhe dona Zizinha, "mas vai falar 'A', pois a última letra é que faz a diferença. Experimente." Ziraldo experimentou: "B...bá!" E depois, "p...pé; p...pó; f...fé." Achou mais fácil que jogar bola de gude.
Claro que quando esbarrava num "quem"ou em palavras com dois "ésses", quebrava a cara. Mas nisso as professoras da escola deram jeito. Ziraldo sempre lembra delas e sua eficácia pedagógica quando critica o método de alfabetização vigente no Brasil.
"A Espanha e a França optaram pelo método fônico. Por que nós o desprezamos, preferindo o método visual? Se no português a gente resolve tudo com a sílaba, por que adotamos um método de alfabetização não-silábico, baseado na memorização da palavra?", questiona, indignado, o filho de dona Zizinha. "Tanto faz a gente dizer Bolívar, como Bolivár ou Bólivar, que qualquer brasileiro entende. Se você falar para um inglês Trafalgár [local da principal batalha naval vencida pelos ingleses contra Napoleão], em vez de Trafálgar, ele bóia, nós, não."
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http://revistaeducacao.locaweb.com.br/educacao/conteudo/materia/materia_78.html
Revista Educação
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