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A história íntima das estantes


Coluna de Paulo Roberto Pires no site NoMínimo 11/01/2005

Na monumental obra de Antonio Candido de Mello e Souza, “Crítica e memória” ocupa discretas nove páginas. Escrito em 1997 em homenagem a Décio de Almeida Prado, é incluído agora em “O albatroz e o chinês”, primeiro livro inédito em dois anos daquele que é considerado “o maior crítico literário brasileiro vivo”. É quase nada perto dos seis outros livros que, com este, dão início à publicação da versão que se quer definitiva de sua obra – que começa a sair pela editora Ouro sobre Azul. E menos ainda diante do acachapante “Formação da literatura brasileira” e do restante de sua obra. Talvez por isso mesmo, pela casualidade de uma nota de rodapé, chame uma atenção danada.

O assunto de Candido é, pelo menos teoricamente, François Villon e a paixão que o poeta francês, romântico e aventureiro, lhe desperta. Mas só ficamos sabendo disso depois de um preâmbulo em que o autor propõe uma atenção especial aos “arrabaldes do trabalho crítico”, área pouco nobre onde se costuma segregar o “odioso pronome”, o “eu” que carrega consigo tudo o investimento emocional que o crítico inevitavelmente faz em seu objeto e que, de alguma forma, determina sua escolha.

“Não satisfeitos em descartar o autor, a fim de podermos enfrentar o texto com realidade autônoma”,escreve Candido, “costumamos descartar ainda mais a espontaneidade de nossas emoções, como se além da falácia biográfica quiséssemos condenar também o que se poderia chamar, com o mesmo espírito, de falácia autobiográfica.” Nesta “periferia da crítica” (a ótima expressão é dele) está o dado impressionista que, se não é suficiente para formar um ponto de vista – como a própria geração de Antonio Candido ensinou – é o sopro vital da educação intelectual e da cultura literária de qualquer um. É, portanto, parte fundamental de cada opinião e juízo, que não se basta mas não pode ser descartada.

Com a liberdade típica dos grandes ensaístas, Antonio Candido sugere que deveríamos tentar traçar uma “história da nossa experiência afetiva com as obras, inclusive procurando determinar de que maneira fomos levados a encontrar, conhecer e amar as que se tornaram prediletas, sobretudo quando nos fazem companhia pela vida toda, na sucessão das releituras”. Entre deveres e haveres, inevitavelmente livros tido como “menores” incorporam-se mais decisivamente à experiência do que outros tido como clássicos “inevitáveis. Nesta conta é possível que se conclua, diz ele, que “Os três mosqueteiros” seja mais importante do que “Os Lusíadas”.

Este argumento pode parecer óbvio, mas ganha outra força quando sai da boca de um Antonio Candido. Faz lembrar que a crítica em particular e a atividade intelectual como um todo são coisa séria demais para ser enquadrada na sisudez e no que se identifica como “seriedade”. Sem este elementar princípio de prazer, não há conhecimento que valha a pena ter este nome – e aqui é impossível não lembrar de Roland Barthes, que em “O prazer do texto” admitia pular, sem culpa, as longas descrições que o entediavam no texto de Balzac.

Nesta “história íntima das estantes” não há lugar para hierarquias muito rígidas entre “alta” e “baixa” culturas: na formação intelectual, todos os caminhos podem ser válidos e quem se defende na elitização fica potencialmente limitado. No caso de Candido, dramalhões perdidos no passado e o famoso livro de entrevistas de Auguste Rodin a Paul Gsell foram os indicadores do caminho para Villon – e isso muito antes de a cultura de massa ter se consolidado e a informação espalhar-se com a velocidade da web.

A nota sutil de Antonio Candido é, além de manifestação de generosidade, um convite real à democratização do conhecimento. Vive-se uma época em que tudo tem receita, pressupostos, etiquetas, correções a serem observadas. O que se abre no “arrabalde da crítca” é um universo de possibilidades. Há, é claro, o risco de se chafurdar em lixo cultural mas, também, e na mesma medida, a probabilidade de nutrir-se de uma literatura menos livresca e formatada, mais atravessada pela vida e pela incerteza.

http://nominimo.ibest.com.br/notitia/servlet/newstorm.notitia.presentation.NavigationServlet?publicationCode=1&pageCode=9&textCode=15089&date=currentDate&contentType=html

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