Modernidade não dá espaço a saberes tradicionais |
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Publicado pela revista Problemas Brasileiros jan/fev 2005 |
(Maurício Monteiro Filho)
Milhares de quilômetros separam Erasmo de Souza, de 79 anos, de Argemiro Costa, de 76. O primeiro é morador do Parque Nacional do Jaú, pouco mais de 150 quilômetros a noroeste de Manaus, capital do Amazonas. O segundo vive na ilha de Búzios, a cerca de duas horas e meia de barco de Ilhabela, no litoral de São Paulo. A idade avançada poderia ser o único ponto comum entre os dois, mas não é. Erasmo e Argemiro têm, junto a seus nomes, respectivamente os rótulos de caboclo e de caiçara, pois fazem parte das chamadas populações tradicionais não-indígenas brasileiras.
Por isso, são personagens de uma longa batalha, cuja vitória parece cada vez mais distante à medida que envelhecem. Enquanto Argemiro pesca, como faz todo dia, no pequeno cais a 50 metros de sua casa, e Erasmo se dedica à roça da mandioca, junto a seus filhos e netos, seus modos de vida tradicionais vão sendo engolidos pela sociedade urbano-industrial, que não dá espaço para gente como eles em nenhum canto do Brasil.
Entre as muitas dificuldades que enfrentaram ao longo de sua existência, surge agora uma nova, ameaçadora: a perda da terra em que vivem. Como as chamadas populações tradicionais, na maioria dos casos, habitam áreas de grande biodiversidade, esses locais são alvo de políticas oficiais de preservação, cujo objetivo é proteger o meio ambiente e livrá-lo de qualquer interferência, mesmo de moradores que estão ali há várias gerações.
"Todas as populações tradicionais estão sob risco. Mas as que se encontram em pior situação são as do cerrado, em função do desenvolvimento da agricultura industrial, e as da Mata Atlântica, devido à especulação imobiliária", afirma Paulo Oliveira, coordenador do Centro Nacional de Desenvolvimento Sustentado das Populações Tradicionais (CNPT).
Mesmo na Amazônia, o panorama não é muito melhor. "Lá, a primeira ameaça aos caboclos é o avanço da frente madeireira. Outra é a expansão da agropecuária, representada principalmente pela soja e pelos pastos. Isso sem contar a pesca predatória e a mineração, que também prejudicam os ribeirinhos", diz Oliveira.
Quem são, onde estão
Não é fácil definir o que são populações tradicionais brasileiras e o que as caracteriza, porque o próprio termo "tradicional" já suscita controvérsias. Ao identificar grupos humanos como "dependentes da tradição", a primeira idéia que surge é a de que haveria alguns que não se enquadram nessa designação, cuja utilização passou a ser cada vez mais comum no âmbito dos órgãos públicos e do movimento ecológico em geral, especialmente a partir da década de 1970. "Na realidade, a expressão ‘população tradicional’ surge no contexto da criação das unidades de conservação (UCs) [áreas protegidas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama)]", explica Rinaldo Arruda, antropólogo e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). "Mas falta precisão, pois foi usada inicialmente sem fundamentação científica e acabou fossilizando essas populações", diz ele.
Ainda assim, segundo Arruda, sob o ponto de vista empírico, é possível identificar populações tradicionais como aquelas que se baseiam no trabalho familiar, visando principalmente ao próprio sustento - o que não quer dizer que elas não estejam vinculadas de algum modo ao mercado. Outro aspecto específico dessas comunidades é a utilização das chamadas tecnologias de baixo impacto, como o extrativismo, a pesca e a lavoura de pequena escala.
Segundo Iáskara Saldanha, bióloga e pesquisadora do Núcleo de Apoio à Pesquisa sobre Populações Humanas em Áreas Úmidas Brasileiras (Nupaub), da Universidade de São Paulo (USP), a natureza influi na atividade dessas comunidades. "Em Iguape, o pescador coloca o pé na água e, dependendo da temperatura, não sai para pescar, porque sabe que não vai ter peixe", afirma ela.
Leia a íntegra em:
http://www.sescsp.org.br/sesc/revistas_sesc/pb/artigo.cfm?Edicao_Id=204&breadcrumb=1&Artigo_ID=3183&IDCategoria=3437&reftype=1
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