Depressão infantil é vista sob olhares diversos |
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Publicado pela Agência USP de Notícias 18/04/2005 |
Enquanto os médicos vêem a doença como um mau funcionamento orgânico, as famílias mais carentes tendem a inserir a depressão infantil em seu conjunto de problemas financeiros e sociais
(Flávia Souza)
A intervenção médica e terapêutica em casos de depressão infantil pode se tornar mais adequada às diferentes realidades. Uma pesquisa de doutorado realizada pela antropóloga Eunice Nakamura busca auxiliar profissionais da área da saúde a compreenderem que há outras noções e significados da doença. A pesquisadora investigou as diferentes maneiras com que médicos, veículos de imprensa e famílias de baixa renda encaram o transtorno.
\"Os familiares de crianças deprimidas costumam agir como um \'filtro\' à investigação psiquiátrica\", afirma a antropóloga, que apresentou seu estudo na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. De acordo com a pesquisadora, as famílias fazem um \"arranjo\" a partir do que encontram na imprensa e no discurso dos psiquiatras. \"Cada grupo tem sua própria lógica de compreensão, embora todos repitam os conceitos científicos\", aponta
Eunice analisou artigos publicados na mídia impressa entre 1999 e 2003 e entrevistou médicos e familiares de crianças com depressão. Segundo ela, a rede de informações disponível a respeito da depressão infantil mescla conceitos científicos e dados mais simplificados. A mídia, ao mesmo tempo em que transmite definições técnicas, simplifica certos dados, \"permitindo que uma noção de doença se torne comum\". \"É preciso considerar o papel da imprensa de levar informações às pessoas leigas. Para isso, a simplificação é necessária\", destaca.
Rol de problemas
Eunice consultou nove famílias de crianças com depressão, cujas idades variavam entre 6 e 12 anos. Todas elas recebiam atendimento no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina (HC/FM) da USP e eram moradoras da periferia de São Paulo. A pesquisadora obteve informações a respeito do modo com que os familiares encaravam o problema da depressão infantil, o comportamento da criança e sua adequação ao tratamento médico.
\"Os familiares costumam inserir a depressão infantil no rol de seus problemas e insatisfações, como dificuldades econômicas, desemprego e acesso precário a serviços e lazer\", conta Eunice. \"As famílias demonstraram um incômodo perante o comportamento da criança, que se transforma em mais um problema com o qual se deve lidar\". Para a antropóloga, isso demonstra que a noção científica de depressão, embora aceita, não é a única forma de se explicar o desenvolvimento da doença. Afinal, a depressão infantil não é apenas colocada entre os diversos problemas enfrentados pela família, mas também atribuída a essa série de dificuldades.
Filtro
Eunice consultou oito psiquiatras do HC envolvidos no tratamento dessas crianças e concluiu que os médicos vêem nos familiares uma espécie de \"filtro de informações\". \"O médico se encontra num embate entre a literatura científica e a prática, na qual a família percebe a depressão infantil de uma forma particular\", explica.
Segundo os médicos entrevistados, os familiares muitas vezes confundem os sintomas da depressão com comportamentos descritos como \"manha\" ou \"birra\". Por isso, o tratamento fica sujeito ao \"grau de tolerância da família com relação ao comportamento da criança. O médico, então, procura intervir nesse comportamento, por meio de medicamentos e psicoterapia, a qual possibilita um maior acesso ao paciente\".
Entretanto, muitas das crianças, devido a problemas financeiros, não são submetidas à psicoterapia, pois o deslocamento numa grande cidade demanda gastos muitas vezes incompatíveis com o orçamento de famílias da periferia. \"Para os médicos entrevistados, a depressão está vinculada à noção de mau funcionamento e, conseqüentemente, à necessidade de ajuste das crianças, mas essa intervenção é muitas vezes restrita em função da realidade vivida pelas famílias\", ressalta Eunice.
http://www.usp.br/agen/repgs/2005/pags/072.htm
Agência USP de Notícias
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