Faculdade vira quilombo moderno |
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Publicado pelo O Estado de S.Paulo 31/10/2005 |
Na Zumbi dos Palmares, em São Paulo, cerca de 80% dos alunos de Administração são pretos ou pardos.
(Eduardo Nunomura)
A grande concentração de jovens negros já virou rotina no número 236 da Rua Washington Luís, no centro de São Paulo. São 600 universitários pioneiros da maior faculdade voltada para o público de descendência afro da América Latina, a Zumbi dos Palmares. Reúnem-se ali todas as noites para estudar e obter um diploma de Administração daqui a dois anos, mas o objetivo deles vai além: resolver o dilema do negro na sociedade brasileira.
"Estamos fazendo a reparação do povo negro e dos carentes", resume João Alcântara dos Santos, de 20 anos, segundo anista do curso de administração geral da faculdade. "Muitas vezes o próprio negro não reconhece sua identidade, seus direitos, e acha que universidade não é para ele." João acha que sim e já sonha com uma pós-graduação ou um MBA. Filho de pais que não concluíram o ensino fundamental, ele já conseguiu, pela escola, um estágio que duplicou a renda familiar, hoje na casa dos R$ 3 mil.
Nos três andares da instituição, discute-se muito a reparação social, mas também preconceito, marginalização, invisibilidade, racismo, auto-afirmação, cidadania. As aulas abordam leis que regulamentam as relações dos negros, a história econômica dos afrodescendentes, a cultura do negro e sua participação na formação do povo brasileiro. Na faculdade, 82% dos 600 se autodeclararam pretos ou pardos. Neste ano, foram 87% dos ingressantes.
Ausentes por décadas do ensino superior, os negros estão ingressando como nunca nas universidades brasileiras. As políticas afirmativas, como o controverso sistema de cotas, são consideradas o principal motivo. Já são quase 1 milhão entre os 3,5 milhões de universitários. Ou, em porcentuais, 27% é a proporção de pretos e pardos no ensino superior - no ensino fundamental, são mais de 50%; e na população, 45%, segundo o IBGE. A Zumbi dos Palmares é um caso extremo e surgiu distante das interferências públicas.
"O tema negro não entrava na agenda. Enquanto isso não for resolvido, o País vai ficar capengando", afirma o reitor José Vicente, que vê na Zumbi dos Palmares uma espécie de quilombo do século 21. Diz não ter inimigos, mas seu discurso não poupa o governo de Fernando Henrique Cardoso, nem o de Luiz Inácio Lula da Silva. "Num País que não consegue discutir cotas, saímos na frente."
A Zumbi dos Palmares obteve autorização para administrar quatro cursos de administração (geral, serviços e comércio eletrônico, de finanças e comércio exterior). Depois de formada a primeira turma, precisa ser aprovada em avaliação do Ministério da Educação para ampliar as vagas e cursos. Tem 30 professores. Alguns são negros; outros, brancos entusiastas em dar aulas a pretos e pardos. "Nesta escola, dou aulas para cidadãos pensantes", diz o professor Silvio Moreira. Na sua opinião, pelo fato de seus estudantes lutarem para romper a exclusão, eles se tornam mais críticos e exigentes em sala de aula.
Primeiro anista, o músico Rappin' Hood é apenas Antonio Luiz Junior, um estudante de 33 anos. "Não sou celebridade, sou um igual", diz. Autor de Sou Negrão ("Subi o morro pra cantar/que é pra malandro se ligar/que malandragem é trabalhar/e a pivetada estudar"), Rappin' Hood defende o sistema de cotas porque acredita que ele pode diminuir as diferenças sociais.
As discussões em torno das cotas fazem da faculdade um caso que merece atenção. Os alunos podem ser esforçados, mas muitos chegam com enormes dificuldades de ensino básico. Por isso, fazem aulas de reforço em português e outras disciplinas básicas.
Aos olhos dos críticos, pode parecer um arremedo de solução. Mas para dirigentes e estudantes da Zumbi dos Palmares é muito para um País que viveu praticamente metade de sua história sob a escravidão de negros. Informações sobre vestibular, pelo (0xx11) 3313-8701
http://txt.estado.com.br/editorias/2005/10/31/ger012.html
O Estado de S.Paulo
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