Universidade evidencia diferença de classe social |
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Publicado pela Agência USP 25/11/2005 |
Após passar pela barreira do vestibular, estudantes que têm suas origens nas classes pobres, e que conseguem ingressar na USP, se deparam com uma realidade diferente e conflituosa. "Há uma espécie de 'estranhamento' que, quando combinado com a desigualdade social, torna a experiência universitária difícil, provocando uma crise de identidade", conta a psicóloga Maira Alves Barbosa.
Três ex-alunos de graduação da USP da Capital, que hoje têm idade média de 40 anos, relataram à pesquisadora os conflitos e as dificuldades por que passaram durante sua trajetória na universidade. "Por meio de longas entrevistas, pude resgatar a memória destas pessoas e verificar, por exemplo, que nenhuma delas estabeleceu vínculos de amizade com os colegas de universidade pertencentes a uma classe social oposta à sua", descreve Maira. Segundo ela, os vínculos de amizade, importante apoio no percurso universitário, foram estabelecidos com estudantes de origem semelhante.
Os ex-estudantes envolvidos na pesquisa cursaram Geografia, Física e Psicologia, e tiveram em comum suas histórias de vida. Eram todos trabalhadores desde a adolescência e vindos de escolas públicas. "Os três estudaram em colégios técnicos. Ao ingressarem na USP, dois deles optaram pelo período noturno, para poderem continuar trabalhando", lembra a pesquisadora. Cientes de estar na que é considerada a melhor universidade do País, os alunos buscaram, como diz Maira, "combinar as necessidades da vida prática e da alma". Ou seja, conciliar a vida de trabalho à aquisição de novos conhecimentos.
Sem lugar no espaço
Apesar do acesso às diversas atividades culturais que o campus da USP propiciou durante a graduação, os entrevistados relataram um esforço para não perder os laços com suas origens. "A convivência com um novo tipo de linguagem e costumes acentuou diferenças. Aconteceu o que chamamos de 'estranhamento', quando houve o choque de culturas: modo de falar e trajar, em contraste com a linguagem usada em sala de aula por docentes e colegas de classe", conta Maira.
Com o passar do tempo, alguns destes alunos que resistiam em esquecer suas origens e tinham acesso a uma nova cultura chegaram a declarar-se confusos em relação a sua própria identidade. "Um deles relatou estar 'sem lugar'", lembra a psicóloga. "Este choque evidenciou a desvalorização de sua cultura de origem", ressalta. Além disso, outro confronto ocorreu também em relação a comportamentos diante de situações de comportamento sexual, drogas e posições políticas.
Maira acredita que o apoio da universidade a estes alunos acontece pelo programas de assistência , como o bolsa trabalho, auxílio moradia e alimentação. "Contudo, creio que ainda não seja o suficiente. Nos conjuntos residenciais (Crusp), por exemplo, foram relatados casos de solidão e dificuldades de locomoção, principalmente nos finais de semana. Os critérios de seleção das moradias também não são satisfatórios", acredita a psicóloga.
A motivação que levou Maira a estudar o tema em sua dissertação de mestrado, apresentada no final de 2004 no IP, foi a sua própria história dentro da USP. "Ainda como aluna de graduação, prestei um depoimento sobre as condições dos alunos trabalhadores na universidade. Ao final do curso, senti a necessidade de dar prosseguimento ao tema nesta pesquisa", conta. Segundo ela, a cumplicidade e semelhança das histórias de vida, provocaram diálogos carregados de emoção.
Um dos ex-estudantes cursou o doutorado. Outro, ainda integra o programa e o terceiro concluiu o mestrado. Todos na USP. "Fatores como estes mostram que o aluno de origem pobre na Universidade de São Paulo é sempre um lutador contra obstáculos materiais e contra a humilhação, por serem olhados de forma diferente. A universidade não está nos projetos de sua classe, depende sempre de uma conquista", diz a psicóloga.
http://www.usp.br/agen/repgs/2005/pags/273.htm
Agência USP
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