O livro e os muitos fios da cultura popular |
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Publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo 20/07/2006 |
Ariano Suassuna era conhecido como autor de teatro - e desde 1956, nacional e internacionalmente reconhecido, com o extraordinário sucesso de Auto da Compadecida - quando, além dos poemas que escreveu ao longo da vida e só de longe em longe, reuniu em livros, resolveu escrever um romance, para evocar o mundo complexo de sua vida e de sua família que, nas suas próprias palavras, não cabia no palco.
Hoje, uma outra Pedra do Reino aparece num outro palco, pelas mãos de Antunes Filho: trata-se de uma 'nova' Pedra ou de uma visão alheia ?
O Romance d'A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta, romance popular armorial brasileiro, publicado em 1971, apresenta-se como o primeiro livro de uma trilogia anunciada, cuja segunda parte seria a História d'O Rei Degolado nas Caatingas do Sertão e a terceira devia ser chamada de Romance de Sinésio o Alumioso, Príncipe da Bandeira do Divino do Sertão. Devia... porque nunca veio a público e da segunda parte só está nas prateleiras das bibliotecas (das livrarias sumiu há tempo!) o primeiro volume Ao Sol da Onça Caetana.
O narrador deste copioso romance, 625 páginas na edição original, Pedro Diniz Ferreira Quaderna, poeta, humorista, memorialista, bibliotecário e dono de uma casa de recursos A Távola Redonda, na vila de Taperoá, sertão da Paraíba, conduz o relato dos acontecimentos, recentes e longínquos, que o trouxeram na cadeia da cidade. Depois de contar os fatos considerados por ele fundamentais e misteriosos - a chegada a Taperoá do Donzel Branco, seu primo e o assassinato do seu tio - apresenta a história de sua família, ligada à proclamação de um Reino, estabelecido sobre duas Pedras Encantadas, situadas no alto sertão de Pernambuco.
Descreve seu itinerário pessoal e íntimo - sua infância, sua formação poética junto a um cantador, a descoberta do passado familiar e do mundo da cavalharia, a revelação de sua posição de herdeiro do Reino, seus mestres e os problemas filosóficos, literários e políticos que os ocupam, o espírito cavalheiresco e aventureiro que o leva a organizar as bases de uma possível reconquista do Reino Perdido, tornando-se Gênio Máximo da Literatura Brasileira.
De 1971 a 1976, o livro conhece quatro edições e desaparece das livrarias até a 5ª edição, de 2005, que veio - enfim! - satisfazer a 'fome' dos leitores antigos e novos. No intervalo, contudo, A Pedra do Reino virou lenda e constelação de pedras estrelares:
- do livro nasce a legenda, do relato histórico da Pedra dita Bonita surge a reinvenção histórico-lendária da Cavalgada da Pedro do Reino, quando São José do Belmonte, no alto sertão de Pernambuco, 'reconstitui' o que talvez não houve e perpetua numa festa sertaneja uma visão heróica-maravilhosa do que foi um entre os muitos e terríveis 'episódios' messiânicos da história do Brasil;
- do livro nasce a festa que desfila no Sambódromo do Rio, nos passos e na glória da Escola Império Serrano que homenageia o autor e sua obra numa Aclamação e Coroação do Imperador da Pedra do Reino: Ariano Suassuna, cantando:
Sol Inclemente
Vai além da imaginação
Sopro ardente, árida terra
Desse poeta cantador
Sede de vida gente sofrida
Salve o lanceiro, guerreiro do amor
- do livro, ainda, na mais pura tradição oral, nasce a Versão para Europeus e Brasileiros Sensatos, traduzida para o francês e publicada em 1998 pela Editora Métailié;
- do livro está surgindo a série de televisão, em via de preparação e filmagem,
- enfim, e a lista com certeza não está fechada, do livro nasce a peça de Antunes Filho.
Terá, como toda adaptação, para o cinema ou para o teatro, que escolher entre as possíveis e numerosas leituras : o olhar histórico que liga a tragédia familiar - com o assassinato do pai de Ariano Suassuna em outubro de 1930 - à história do Nordeste, e às outras tragédias da história do Brasil, se repararmos no 'pequeno' detalhe da decalagem de 30 anos entre Quaderna, o narrador, e Ariano, o escritor (ambos com o mesmo aniversário) e co
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Jornal O Estado de S. Paulo
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