Ninguém assume culpa por falta de limite |
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Publicado pelo Aprendiz 03/11/2006 |
(Julia Dietrich)
"Estamos vivendo uma fase na qual as escolas privatizam o público, ou seja, tratam o ensino como uma forma de obter lucro, impondo uma relação entre cliente e produto", afirmou Yves de la Taille, professor do instituto de psicologia da Universidade de São Paulo (USP), durante o 1º Encontro Internacional Pátio-Isme de Educação para a Cidadania, na cidade de São Paulo.
Observando a questão de cidadania no contexto escolar, o pesquisador apontou que se vive num período paradoxal, no qual, os professores culpam a família pela falta de controle imposta às crianças e a família, por sua vez, culpa os educadores por não agirem com autoridade.
Rosely Sayão, psicóloga e colunista da Folha de S. Paulo, afirmou que é um momento em que a educação se encontra infantilizada, impondo muitas regras aos alunos e lhes ensinando poucos princípios. "É na escola e só na escola que aprendemos a nos relacionar com o outro, aprendemos a ser mais um. É lá que é preciso ensinar que na escola, bem como na vida social, o jovem tem que abrir mão de suas vontades em prol dos seus pares".
Para a psicóloga, a cultura brasileira visa a supremacia do individual e, ao mesmo tempo, apresenta "um vício irritante, no qual todos são amigos". Segundo ela, as escolas e as famílias não ensinam mais a distinção entre ser amigo e ser colega. "Respeitar amigos é fácil, respeitar colegas com quem não temos necessariamente afinidade é muito mais difícil".
La Taille afirma, seguindo os preceitos do pesquisador suíço Jean Piaget, que as relações da moral e do desenvolvimento da criança e do jovem na escola são da ordem da anomia que, grosso modo, significa a fase na qual as regras existem e são obedecidas pelo sentido do dever, mas não há entendimento da distinção entre certo e errado, bem e mal. "O outro ganhou um caráter instrumentalizado e o indivíduo vem perdendo sua identidade. Ele sente como se não pertencesse a nenhum grupo, mantendo relações superficiais e facilitando comportamentos violentos", aponta ele.
O professor vê algumas prováveis ilustrações desse estágio de anomia na sociedade. Dentre elas, o crescimento da violência urbana e do medo, o aumento da imposição de regras de conduta e a criação de outras regras para segurá-las, a legitimação da corrupção na política e o crescente número de suicídios, especialmente entre os jovens. "Em pesquisa realizada no meu departamento, observou-se que quase 25% dos jovens entrevistados acreditam que se sentem violentados", observou ele.
Segundo com a teoria de Piaget, a autonomia, estado desejável para o jovem, é fruto de relações de cooperação que se estabelecem entre iguais, de maneira espontânea, permitindo que o diálogo e a própria tolerância se forme e concretize.
Para La Talle, a criança não tem mais tempo de ser criança, perdendo sua autonomia para brincar e estudar no seu próprio tempo. "Desde cedo ela é colocada em algum curso. Não duvido se criarem o Instituto do jogo do bafo ou a Academia de Bolinha de gude", afirmou ele, que ressalta que todas as ações das crianças são tuteladas por adultos.
"Não há mais espaço para que eles estabeleçam contratos de cooperação e resolvam suas diferenças sozinhos, pois todos os ambientes e suas interações são monitorados por pessoas que, embora queiram ser parecidos com eles, são diferentes, pois personificam a própria autoridade", explica La Talle.
Marcos Meyer, psicólogo especializado em educação infantil, afirmou que para fomentar a autonomia da criança, ela deve instiga-la a aprender. Segundo ele, "devemos deixar as crianças pararem de ser alunos e passarem a ser autoras a partir da luz dos educadores", fazendo alusão à etimologia da palavra aluno que significa "sem luz".
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