Porta aberta para outra dimensão |
|
|
Publicado pelo site O Estado de São Paulo 22/01/2007 |
Anish Kapoor refaz no Viaduto do Chá a revelação bíblica de Deus a Moisés no Monte Sinai
A passagem é bíblica. Nela, o Senhor desce sobre o Monte Sinai em fogo, fazendo a fumaça subir como a de uma fornalha diante dos olhos de Moisés. Repetir a cena sem recorrer a efeitos cinematográficos é um desafio e tanto para um artista, mas não para o indiano Anish Kapoor, hoje o nome mais badalado da escultura contemporânea ao lado do norte-americano Richard Serra. Kapoor, que chega a São Paulo esta semana para inaugurar, na quinta-feira, a exposição Ascension, no Centro Cultural Banco do Brasil, decidiu prestar uma homenagem a São Paulo refazendo a cena bíblica numa instalação de mesmo nome sob o Viaduto do Chá, que ele abre no mesmo dia, às 17 h. Por telefone, de Londres, Kapoor falou ao Estado sobre o projeto e as oito esculturas que ele vai mostrar no prédio do CCBB.
Nascido em Bombaim há 53 anos, de mãe judia e pai hindu, Kapoor tem sido preguiçosamente reduzido pela mídia à condição de artista “místico” e “exótico”, só por ser indiano e budista. No entanto, a associação entre sua obra e religião se dá apenas porque manifestações teofânicas têm tudo a ver com o impacto que provocam nos espectadores suas peças monumentais. Delas disse um crítico que parecem ter sido produzidas em Marte. De fato, uma coluna de fumaça que conduz o visitante ao teto de uma caixa pode não ser tão sobrenatural quanto a epifania do Monte Sinai, mas é igualmente desconcertante.
Inaudita também é sua escultura Cloud Gate, a obra pública mais cara do mundo (US$ 23 milhões), instalada no Millenium Park de Chicago. Imitando uma gota de mercúrio, a escultura em aço pesa 110 toneladas e tem um arco de 36 metros que permite ao visitante ver refletida sua imagem sob diferentes perspectivas. Em menor escala, é o que oferece a instalação Double Mirror (1998) trazida para a exposição do CCBB, que tem como curador Marcello Dantas. Ela é composta por dois espelhos côncavos de 2 metros de diâmetro num corredor, multiplicando a imagem do espectador.
Críticos costumam dizer que suas obras são portas de entrada para outras dimensões, não metáforas ou símbolos, mas é difícil ver instalações como Ascension e Descent into Limbo e não pensar nelas como representações metafóricas ou mesmo no conceito do sublime na história da arte. Como essas peças são concebidas?
Comecei trabalhando com pigmentos de cor, em que o objeto se tornava material por conta do caráter pré-verbal, visceral, da cor. Com Ascensão faço o caminho inverso, transformando o imaterial em objeto, uma vez que a fumaça da instalação forma uma coluna em tudo parecida com a da narrativa bíblica. Não me incomoda em absoluto a metaforização na arte, desde que essa metáfora seja poética, sublime. Acho que o sublime é tudo em arte. É a chave de tudo.
É difícil ler alguma coisa a seu respeito sem topar com a palavra exótico ou uma drástica redução ao estereótipo de criador místico, só porque você nasceu na Índia de mãe judia e pai hindu. Lembro de uma entrevista, em particular, que insistia no ponto de sua arte ter um caráter “sobrenatural”. Como budista, a religião tem alguma importância na hora de criar?
Bem, eu sempre detestei parecer exótico. Tampouco admito a hipótese de a arte ser uma religião. Artistas não-europeus como eu tendem a ser reduzidos a uma definição equivocada nos países desenvolvidos. Somos sempre vistos como místicos, como se a arte que produzimos não tivesse autonomia e dependesse da religião para ser legitimada. É uma interpretação equivocada, que estigmatiza artistas não-europeus. Ser budista ou indiano é puramente incidental. Dos anos 1980 para cá fui convidado a participar de várias exposições que reuniam artistas do Terceiro Mundo. Recusei todos esses convites. Para mim, a linguagem da arte desconhece fronteiras.
O impacto fenomenal de esculturas como Cloud Gate (instalada no Millenium Park em Chicago) faz pensar sobre a dimensão monumental de peças religiosas concebidas para contemplação de fiéis. Você não teme ser adorado algum dia como um ícone de Andrei Rubl
http://www.estado.com.br/editorias/2007/01/22/cad-1.93.2.20070122.50.1.xml
O Estado de São Paulo
Para mais informações clique em AJUDA no menu.
|