Porta a porta, em busca de alunos |
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Publicado no Site do Jornal O Estado de São Paulo de 16/4/07 |
Porta a porta, em busca de alunos
Professoras voluntárias percorrem periferia de Rio Preto (SP) convencendo adultos a estudar
Chico Siqueira, SÃO JOSÉ DO RIO PRETO
Com receio, os olhos cheios d’água, a doméstica Claudenice Oliveira Maia, 41 anos, se acomoda na poltrona desgastada para falar da impossibilidade de anotar os recados deixados no telefone da patroa. No chão da casa humilde, ainda com piso e paredes sem revestimento, sua filha mais nova, Luana, termina a lição da escola, para depois ajudar a mãe na leitura das contas de água e luz.
“A gente morava no sítio, em Mira Estrela (SP). Meu pai pôs todos os sete filhos para trabalhar, não quis saber de estudos”, conta Claudenice. Sua ouvinte é a professora Maria Nascimento, uma das onze alfabetizadoras que desafiam o medo e a violência da periferia de São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, em busca de adultos que queiram aprender a ler e a escrever.
Claudenice se convenceu que será um dos 275 alunos que vão iniciar o curso de alfabetização deste ano. De segunda a quinta-feira, um ônibus vai levá-la para a escola do bairro Brejo Alegre, um dos mais carentes de Rio Preto. Além deste colégio, outras escolas, centros comunitários e asilos de dez bairros carentes serão usados no Projeto Paulo Freire, que, desde sua criação, em 2002, já usou até cadeia feminina e sacristia de igreja para alfabetizar mais de 1.100 alunos adultos.
O projeto é tocado por 11 alfabetizadoras que voluntariamente vão à noite bater de casa em casa à procura de quem ainda acredita que vale a pena se alfabetizar. Parece simples, mas não é. Há resistência. Muitos até querem, mas se sentem impossibilitados ou têm vergonha.
OCULTOS
“É só à noite que eles estão em casa, e se a gente não vai até eles, ficam escondidos. As autoridades parecem não saber, mas o analfabeto é uma pessoa escondida, não mostra a cara. Se a gente não insiste, não consegue nada”, conta Silvana Pelegrini Bonalumi, há quatro anos no projeto.
Silvana e amigas percorrem vielas de terra, sem iluminação pública, enfrentam cães bravos, bêbados, drogados e até bandidos que tentam assaltá-las. Nesses casos, a ajuda parte dos motoristas dos ônibus que as levam para as visitas e do carro de som, que chega aos bairros convocando, pelos alto-falantes, as “pessoas que queiram aprender a ler e a escrever”. “Eles (motoristas) nos ajudam a evitar que bandidos nos assaltem”, diz Silmara Medeiros de Paula. “Passamos muito medo, mas vale a pena.”
Mas uma boa parcela dos analfabetos não aceita a proposta, como Rosa Maria Fávero, 60 anos, que por medo da violência do bairro não quis sair de dentro de casa. “Já estou muito velha para aprender agora”, disse ela de dentro do quarto fechado por barras de ferro. “Meu sonho é aprender a ler a escrever, mas tenho tonturas e não conseguiria ir pra escola. Estou doente. Cheguei a começar o Mobral no clube do Sesi da Terceira Idade, mas tive de parar”, conta Analice Lourenço, 86 anos.
“A gente bate os olhos e já sabe quem é analfabeto”, dizem as alfabetizadoras Maria Nascimento e Elaine Cristina Guzzi. As duas reconheceram a dona de casa Maria de Fátima Moreira, de 46 anos, que inicialmente não aceitou a proposta - “preciso perguntar ao meu marido”, disse ela - mas acabou concordando quando ele chegou.
Seu marido, Jesus Alves Moreira, 60 anos, que dá aulas de equitação, ficou sem jeito, largou o pônei que trazia e confessou que também não sabe ler nem escrever. No final, depois de muita conversa, acabou aceitando participar do projeto. Agora, os dois serão alunos na mesma classe.
“Tenho dificuldades quando vou ao supermercado e quando não consigo ler lista telefônica. E o meu pai, que tem 76 anos, sabe ler e escrever”, contou Maria de Fátima. “Fiz só até a segunda série, me arrependi muito”, emendou Jesus.
Raimundo Francisco de Moraes, 48 anos, diz que vai freqüentar as aulas para um dia ter carteira de habilitação. Dono de um Ford Corcel e de uma perua Kombi, Moraes dirige pelas ruas de Rio Preto coletando materiais recicláveis. “Agora vou ter essa chance”, d
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Jornal O Estado de São Paulo
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