> Sistema Documentação
> Memorial da Educação
> Temas Educacionais
> Temas Pedagógicos
> Recursos de Ensino
> Notícias por Temas
> Agenda
> Programa Sala de Leitura
> Publicações Online
> Concursos & Prêmios
> Diário Oficial
> Fundação Mario Covas
Boa noite
Quinta-Feira , 01 de Maio de 2025
>> Notícias
   
 
Rimas fáceis e flácidas


Publicado no Site do Jornal O Estado de São Paulo de 20/06/07

Rimas fáceis e flácidas
Pesquisa de editor, roqueiro e estudante de jornalismo expõe incidência dos lugares-comuns nas músicas mais tocadas, e os clichês mais batidos

Jotabê Medeiros

Para que rimar amor e dor?, pergunta Caetano Veloso na letra de Mora na Filosofia, de 1972.

Essa pergunta, isoladamente, poderia ser respondida de diversas maneiras: por preguiça, por falta de vergonha na cara, por vício, pela exigência mediana do leitor ou ouvinte (ademais, a rima é pobre, mas a relação existencial entre amor e dor é inevitável). Mas o jornalista Gustavo Bolognani Martins, de 24 anos, editor da versão online da revista Bizz e roqueiro da banda Ecos Falsos, achou insuficientes todas as explicações empíricas a respeito dos lugares-comuns nas rimas da Música Popular Brasileira. E decidiu: iria a campo para demonstrar a coisa de forma mais acurada - o resultado de sua pesquisa, que abrange a produção mais popular no período entre 2001 e 2005, será a tese que apresentará na conclusão de seu curso de jornalismo na ECA-USP, este mês.

Para chegar aos resultados do estudo É o Amor - Lugares-Comuns na Música Brasileira por Suas Rimas, Gustavo saiu a campo orientado por Luis Tatit, Ivan Teixeira, Claudio Tognolli e outros professores, e foi entrevistando gente: Rogério Flausino, do Jota Quest; Supla; Tony Bellotto, dos Titãs; o historiador Elias Thomé Saliba; o radialista Fernando Gasparetto; entre outros (e até este repórter). Sua pesquisa, além das conclusões inéditas, merece crédito por revelar o terreno movediço que é o mercado nacional, sem dados confiáveis, cheio de instituições de pouca seriedade, entre outros problemas.

Martins rejeitou, como amostragem, os indicativos de vendas de discos das gravadoras por considerá-los desacreditados. Em outubro de 2006, a matriz inglesa da gravadora EMI demitiu seus executivos no Brasil após descobrir que sua filial brasileira tinha inflado artificialmente as vendas de discos, inventado lucro de cerca de R$ 48 milhões. Ele preferiu o índice da empresa de consultoria americana Crowley Broadcast Analysis, que serve de base para a arrecadação de direitos autorais no País.

O pesquisador contabilizou 3.073 rimas que estiveram presentes nas 100 músicas mais executadas entre 2001 e 2005, e chegou aos 11 pares de palavras mais batidas. “Assim” e “Mim” apareceram em primeiro lugar, com 58 ocorrências - ou seja, a cada 50 rimas, uma teria esse encontro. “A chance é de que, grosso modo, uma em cada 8 músicas populares em português se valha dessa rima”, afirma.

Depois, seguem-se “Coração” e “Paixão” (“Coração”/ “Solidão” vem em 6º lugar, com 18 incidências; em 11º lugar, “Coração”/ “Mão”). “Mas o mais patente vício combinatório parece ser o das palavras sorriso/paraíso. Todas as ocorrências da palavra ‘paraíso’ foram rimadas dessa forma, sempre com ‘sorriso’ como termo A e ‘paraíso’ como termo B”, diz.

São 220 as palavras que mais se repetem na MPB recente, encabeçadas pelas seguintes: você, coração, amor, assim, mim, paixão, amar, dizer, esquecer, ver, olhar. “Tida popularmente como a mais simplória de todas as rimas, amor/dor foi a oitava coincidência mais utilizada pelos compositores analisados, dando algum respaldo ao senso comum.”

Inicialmente, Gustavo achava que o máximo da pobreza que encontraria pela frente seria o manancial de rimas no infinitivo (“chorar” com “amar”), mas estava enganado. “Não há qualquer par de verbos que se destaque dos demais em termos de recorrência”, concluiu. Nenhuma rima infinitiva repetiu-se mais do que quatro vezes, apesar dos exemplos mais gritantes. Por exemplo: Maimbê Dandá, de Carlinhos Brown, sucesso absoluto de Daniela Mercury no carnaval de 2005, estava infestada de verbos no infinitivo: das 11 rimas, cinco eram formadas pelo recurso.

As rimas de natureza sentimental ocuparam 87% das canções analisadas, enquanto os temas classificados como “sexuais” só ocuparam as letras em 1,98% da amostragem (com o funk carioca na comissão de frente).

Numa análise mais maniqueísta dos dados colhidos pelo estudante, infere-se que a música classificada como “pop” é mais empobrecida do que a axé ou o pagode: por conta da atuação destacada de Kelly Key, o grupo Rouge, Latino, Claudinho e Buchecha e Liah, registra-se o maior número de rimas no infinitivo (25,4%)

Gustavo diz que fez a pesquisa, primeiro, movido por um desejo pessoal de opor-se ao argumento tranca-discussão que é o tal do ‘gosto não se discute’, que acha constrangedor. “Depõe contra o próprio jornalismo - se as opções estéticas não devem ser discutidas, melhor seria que os cadernos culturais viessem apenas com uma lista de todas as músicas, peças, livros e atrações disponíveis a seus leitores.”

Ele diz que tem intenção de expandir o trabalho e publicá-lo em livro. “Mas para fazê-lo gostaria de incluir diversas outras pesquisas que não consegui por pura falta de tempo: um estudo específico sobre letras de rap e outro sobre a ascensão do hardcore melódico, também conhecido como emo, que fariam contrapontos interessantes à música popular. Se possível, gostaria de aumentar também o campo da pesquisa em pelo menos uma década - quanto mais dados, mais e melhores conclusões podem ser tiradas. Mas, de toda forma, acredito que o trabalho por si só já confirmou que o assunto das rimas daria caldo para um livro.”

Pessoalmente, Gustavo Martins torce mais o nariz para a rima ‘coração/paixão’, por diferentes motivos. “É pobre em diversos sentidos: seu som é feio, o significado é redundante e, para além de tudo, é de uma afetação terrível - quem é que fala, na vida real, que seu coração está cheio de paixão? É curioso que esteja entre as mais populares, diz muito sobre o que a música popular representa para um brasileiro médio: um lugar não de identificação, mas de fantasia, de amores irreais, daquilo que não se vive normalmente.”

De todos os seus analisados, entre bandas de axé, brega, forró, funk carioca, rap, reggae, sertanejo e hardcore, ele hesita em dizer qual foi o pior em rima e letra. “ Um pouco injusto apontar um só merecedor do título, mas eu destacaria tanto o Grupo Revelação como a Wanessa Camargo como campeões no quesito letras clichês. Corações e paixões demais, esforço mental de menos.”

NÚMEROS

120 músicas,
entre 474 pesquisadas, têm rimas em “ão”

95% das canções
com rimas no infinitivo têm a palavra ‘lugar’ como a predileta

24 artistas
chegaram ao topo das paradas sem usar rimas nas suas músicas

46 canções
ou 1,49% do universo
pesquisado usam temas políticos

26 músicas
têm o universo infantil como
tema, pouco mais de 0,8% do total analisado




http://txt.estado.com.br/editorias/2007/06/20/cad-1.93.2.20070620.32.1.xml

Jornal O Estado de São Paulo

Para mais informações clique em AJUDA no menu.

 





Clique aqui para baixar o Acrobat Reader