Como a galinha chegou ao Peru |
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Publicado no Site do Jornal O Estado de São Paulo de 05/07/07 |
Como a galinha chegou ao Peru
Fernando Reinach*, fernando@reinach.com
O homem surgiu na África faz 150 mil anos e chegou à Europa e à Ásia faz 40 mil anos. Ao cruzar o Estreito de Bering quase 30 mil anos atrás, chegou ao Alasca, e, aos poucos, migrou em direção à America do Sul. Ao mesmo tempo, populações humanas oriundas da Ásia se espalharam pelas ilhas do Pacífico e 10 mil anos atrás chegaram à Polinésia. As galinhas, domesticadas pelo homem na Ásia, acompanharam a migração humana em direção às ilhas do Pacífico. Seus ossos são encontrados juntamente com ossos humanos na grande maioria dos sítios arqueológicos em diversos arquipélagos do Pacífico. Isso contrasta com a ausência total de fósseis de galinhas nos sítios arqueológicos das Américas do Norte e Central, o que indica que as galinhas não acompanharam as populações humanas que cruzaram o Estreito de Bering e povoaram a América do Sul. Mas, então, como explicar que, em 1532, quando o conquistador espanhol Francisco Pizarro chegou ao Peru, encontrou as galinhas completamente integradas na cultura inca?
É sabido que, por volta de 1500, os primeiros navegadores trouxeram galinhas para o Brasil, mas é difícil acreditar que elas tivessem cruzado os Andes e chegado ao Peru em menos de 30 anos. Agora um grupo de cientistas demonstrou que as galinhas dos incas vieram da Polinésia.
Em 2002, começou a escavação do sítio arqueológico de El Arenal, localizado no sul do Chile, a três quilômetros da costa. Entre os artefatos foram encontrados 50 fragmentos de ossos de galinhas, representando pelo menos cinco animais. Como a cultura El Vergel que habitou El Arenal prosperou entre os anos 1000 e 1500, os arqueólogos decidiram datar cuidadosamente os ossos analisando os isótopos de carbono presentes no material. Essa análise revelou que as galinhas haviam morrido entre 1320 e 1400, antes da descoberta da América por Colombo. Se as galinhas chegaram antes dos espanhóis, de onde elas teriam vindo?
O DNA presente nesses ossos foi isolado e um mesmo gene foi seqüenciado em cada uma das amostras. Esse gene foi também isolado e seqüenciado a partir do DNA extraído de ossos fossilizados oriundos de diversas ilhas do Pacífico, incluindo Toga, aonde as galinhas chegaram nos anos 500, Samoa, onde existem fósseis de galinhas do ano 800, e da Ilha de Páscoa, onde as galinhas já existiam em 1300.
Ao comparar essas seqüências, os cientistas descobriram que os genes das galinhas chilenas eram praticamente idênticos aos das aves presentes na Polinésia desde o ano 1000 e muito diferentes dos das que existiam na Europa ou no continente Asiático.
Esse resultado demonstra que os incas obtiveram suas galinhas das populações polinésias, o que sugere que as populações que colonizaram a Ilha de Páscoa, localizada no meio do Pacífico, provavelmente chegaram ao litoral do Chile entre os anos 1200 e 1300. A conclusão é que os polinésios contribuíram com pelo menos as galinhas para a cultura inca. Será que existiu uma interação entre essas culturas e quão “íntima” foi essa relação? Houve troca de tecnologia, de genes? Essa descoberta também abre a possibilidade, mais remota, de os incas terem se aventurado em viagens oceânicas em direção à Polinésia. Os próximos anos prometem muitas novidades.
Mais informações em Radiocarbon and DNA evidence for a pre-Columbian introduction of Polynesian chickens to Chile, na PNAS, volume 104, página 10.335, 2007.
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