Para pensar o mundo globalizado |
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Publicado no Site do Jornal O Estado de São Paulo de 17/08/07 |
Para pensar o mundo globalizado
Silvio Tendler apresenta idéias do geógrafo Milton Santos sobre as alternativas possíveis para a sociedade contemporânea
Luiz Zanin Oricchio
Encontro com Milton Santos - O Mundo Global Visto do Lado de Cá: em geral títulos extensos não são recomendáveis. O público prefere nomes curtos, fáceis de lembrar. No caso deste documentário de Silvio Tendler (de Anos JK e Jango), o título comprido se justifica. Ele define à perfeição um projeto: coloca como personagem central o geógrafo Milton Santos e seus estudos sobre a globalização, mas do ponto de vista de quem se encontra na periferia do sistema.
Milton Santos (1926-2001) foi uma figura e tanto. Neto de escravos, alfabetizado em casa pelos pais, formou-se em direito, exerceu o jornalismo e foi para a França, onde se tornou doutor em geografia. Lecionou em várias partes do mundo como França, Canadá, EUA e países africanos. Em 1978, voltou para o Brasil e, a partir dos anos 90, tornou-se conhecido como um dos principais críticos das idéias neoliberais que, naquela década, conheceram o ponto máximo de seu prestígio, aspirando ao consenso universal.
Silvio conheceu Milton Santos ao tomar depoimentos para um documentário anterior, sobre Josué de Castro, o autor de Geografia da Fome e Homens e Caranguejos. Tendler impressionou-se com a lucidez do geógrafo e resolveu realizar com ele uma grande entrevista, no caso uma das últimas concedidas pelo professor, que já estava doente. Essa entrevista, feita em 2001, é o eixo em torno do qual se constrói esse documentário que tem muito de didático e ilustrativo.
O interessante das idéias de Milton Santos é que elas em nada parecem saudosistas ou passadistas. Em vez de atacar a globalização, vista por ele como processo inevitável, o professor procura meios para colocá-la a favor dos países ditos 'em desenvolvimento', como é o caso do Brasil. Sabe perfeitamente que o problema não é tanto econômico, mas político, pois a globalização, ao contrário do que sugere a palavra de conotação neutra, não se dá de maneira uniforme e igualitária entre todos os parceiros.
O documentarista ilustra as palavras do geógrafo com trechos de filmes e outras imagens. A idéia é traçar um perfil da maneira como o capitalismo moderno, o chamado turbo-capitalismo global, introduziu mudanças aceleradas na economia, como a descentralização da produção, e como interferiu no próprio campo simbólico dos países, levando muitas vezes à descaracterização das culturas locais. As trocas simbólicas aceleradas apontam o que Milton Santos considera o coração do sistema: a informação. Para ele, não se trata de lutar contra o mundo da informação, nem de desacelerá-lo. Trata-se de fazê-lo funcionar a favor dos países em desenvolvimento. Seu pensamento tem alguma coisa do judoca, que usa a própria força do adversário para levar vantagem em uma luta.
Encontro com Milton Santos é protótipo do cinema de idéias. Coloca no centro uma figura exemplar, alguém que tem em sua obra idéias pertinentes para se pensar a modernidade. Todo o resto gira em torno disso e a ele se subordina. Se concede pouco espaço interno para o contraditório, traz muita informação para que o espectador forme opinião pessoal sobre o tema. Aliás, o contraditório nem precisa vir no filme, pois está por aí, em toda parte, no consenso conformista de que nenhuma alternativa é possível.
Encontro com Milton Santos (Br/2006, 89 min.) - Documentário. Dir. Silvio Tendler. 10 anos. Cotação: Bom
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