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Publicado no Site do Jornal O Estado de São Paulo em 28/08/2007 |
Ficção x realidade
Ubiratan Brasil
O historiador italiano Carlo Ginz burg gosta de se aventurar pelos diversos mares de erudição. Mundialmente famoso pelo livro O Queijo e os Vermes (Companhia das Letras), lançado em 1987 e que traz uma apaixonante história sobre a Inquisição e sobre a cultura popular e erudita daquela época, ele agora se volta para as relações entre fato e ficção, entre história e literatura, tema dos artigos presentes na obra O Fio e os Rastros, lançado pela mesma Companhia das Letras (456 páginas, R$ 59).
O título é uma dica do que se pode esperar da leitura do livro. 'Há muito tempo trabalho como historiador: procuro contar, servindo-me dos rastros, histórias verdadeiras (que às vezes têm como objeto o falso)', escreve ele, que faz hoje a palestra Medo, Reverência, Terror: Lendo Hobbes Hoje, a partir das 16 horas, no Auditório do prédio da Geografia, na Cidade Universitária, com entrada franca.
Ginzburg, que também participa, na quinta-feira, da 12ª Jornada Nacional de Literatura, em Passo Fundo, é conhecido por ser um dos pioneiros no estudo da micro-história, cuja proposição metodológica baseia-se no recorte temático em um assunto bastante específico. Ou seja, observar um determinado aspecto histórico com uma lupa, como se utilizasse o zoom de uma máquina fotográfica.
O assunto, aliás, é tratado em um dos capítulos de O Fio e os Rastros, em que Ginzburg disserta sobre a origem da micro-história e suas diferentes manifestações, produzidas ao longo dos anos, chegando a uma série de divergências. Uma delas aponta que a realidade é fundamentalmente descontínua e heterogênea. 'Portanto, nenhuma conclusão alcançada a propósito de um determinado âmbito pode ser automaticamente transferida para um âmbito mais geral', escreve ele.
No livro, Ginzburg discorre também, e com grande interesse, sobre a relação entre história e literatura. O prestígio da historiografia ao longo dos tempos é analisado por ele que, em meio a uma profusão de citações e opiniões pertinentes, seleciona verdadeiras pérolas, como esta: ''Por que história é tão aborrecida', perguntava-se um personagem de Jane Austen, 'se em boa parte é necessariamente fruto da invenção?''
O questionamento continua com a lembrança de uma afirmação de Henry James, datada do fim do século 19: 'Representar e ilustrar o passado, as ações do homens, são tarefas tanto do historiador como do romancista; a única diferença que posso ver é totalmente favorável a esse último (à proporção, é claro, do seu êxito) e consiste na maior dificuldade que ele encontra para reunir as provas, que estão longe de ser puramente literárias.'
A discussão promete ser infindável e o melhor caminho, acredita o incansável Ginzburg, seria unir com ponderação provas e possibilidades, erudição e imaginação.
http://www.estado.com.br/editorias/2007/08/28/cad-1.93.2.20070828.2.1.xml
Jornal O Estado de São Paulo
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