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Lygia Fagundes escreve para viver


Publicado no Site do Jornal O Estado de São Paulo de 30/08/07

Lygia Fagundes escreve para viver

Após a morte do único filho, ela revê o passado em Conspiração de Nuvens

Ubiratan Brasil

Lygia Fagundes Telles não se preocupa em definir o limite que separa a realidade da ficção - em seus escritos, fatos verdadeiros são recontados ao sabor da imaginação, resultando em textos que almejam a perfeição estilística ao mesmo tempo em que obriga o leitor a pensar e repensar. É o que se pode observar em Conspiração de Nuvens, livro inédito que a editora Rocco lança no sábado (136 páginas, R$ 22) e que será sua principal novidade na Bienal do Livro do Rio, a partir do dia 13.

São 19 histórias enxutas, que trazem ficções novas, reminiscências da infância, relatos de viagens, crônicas sobre a cidade de São Paulo e perfis de intelectuais brasileiros com quem conviveu. Algo como uma paleta de cores, em que os tons mais suaves são representados pelas lembranças de infância como em A Quermesse, enquanto os mais sombrios trazem recordações dos momentos de perda e de opressão, como no conto que dá título ao livro.

Ali, Lygia relembra a célebre manifestação de intelectuais que, em 1976, cansados da censura imposta pelo regime militar, elaboram um documento com mil assinaturas pedindo liberdade de expressão. Basta a primeira página do manifesto para se medir sua importância: figuram ali as assinaturas de intelectuais como Antonio Candido, Gilda de Mello e Souza, Osman Lins, Sergio Buarque de Holanda, Raduan Nassar, Ricardo Ramos, Luis Martins, entre outros.

'Formamos uma comissão e fomos entregar o manifesto no Ministério da Justiça, em Brasília', lembra-se Lygia. 'Durante a viagem de avião, no entanto, fiquei alarmada quando descobri a formação de nuvens sombrias. 'Formou-se uma conspiração de nuvens', eu disse ao historiador Hélio Silva que, com sua fina ironia, comentou, depois de observar o temporal que se armava: 'Se não cairmos agora, seremos presos na chegada.''

O esquecimento com tão importante evento histórico incentivou Lygia a relembrá-lo, tornando-o o primeiro conto do livro a ser escrito. 'Os jovens hoje sabem um pouco da dificuldade daquela época por meio de depoimentos de pessoas que não puderam ficar aqui, como o Caetano Veloso e o Gilberto Gil', observa. 'Mas eu e diversos intelectuais participamos fortemente da resistência, especialmente por meio desse manifesto.'

Esse conto é um dos raros exemplos de fidelidade ao fato histórico, pois, na literatura de Lygia, a realidade está envolta na sedução do imaginário e da fantasia. Tranqüilamente, ela se justifica como uma fiel discípula de Aristóteles. 'Para ele, o criador é o memorialista, aquele que retrata os momentos como realmente são, enquanto o ficcionista se preocupa mais com o que poderia ter acontecido. E é aí que me encaixo, pois entra a paixão.'

O amor pela escrita, aliás, foi redentor. Depois que perdeu seu único filho, o cineasta Goffredo Telles Neto, a escritora viveu momentos de depressão. 'Eu estava muito triste, angustiada, sem interesse por objetos ou por pessoas', relembra. 'Tenho meus santos, mas a religião me era insuficiente, ao mesmo tempo em que me afastei dos amigos. Minha salvação foi escrever, foi a única coisa que me seduziu.'

Iniciar o trabalho de Conspiração de Nuvens permitiu-lhe, portanto, reencontrar a esperança. Lygia preocupou-se também em dar um exemplo de perseverança às duas netas, Lúcia e Margarida, que a ajudaram no trabalho. 'Foi como encontrar uma bóia em meio a uma tempestade; a vontade de lutar voltou novamente.'

Como Octavio Paz, que dizia não ter uma biografia mas uma obra, Lygia começou a reviver o passado, sempre acreditando no ensinamento de Santo Agostinho (outro de seus inspiradores), para quem a residência da alma é a memória.

Assim, sem se preocupar unicamente com a rigidez histórica dos fatos, a escritora tornou-se fiel a uma realidade mutável, em que colocou novas intenções de vida. Na redenção para uma nova fase de sua existência,

http://www.estado.com.br/editorias/2007/08/30/cad-1.93.2.20070830.36.1.xml

Jornal O Estado de São Paulo

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