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Publicado no Site do Jornal O Estado de São Paulo de 23/09/07 |
A ponta do véu
Eliana Cardoso
Ainda não li A Era da Turbulência. Mas, a julgar pelas entrevistas do autor na semana passada, parece que o livro saiu melhor do que a encomenda. Alan Greenspan revela ceticismo em relação ao poder que se costuma atribuir aos bancos centrais. Ao contrário do que se pensa, bancos centrais não têm o poder de prevenir bolhas financeiras, diz ele. Quanto ao futuro, o maestro levanta a ponta do véu e prevê que os países emergentes - como a China, por exemplo - vão começar a poupar menos e consumir mais. Haverá pressão inflacionária e será o fim da era dos juros baixos nos EUA, na Europa, no Japão e na maioria dos emergentes.
Na China, a taxa de juros já subiu cinco vezes em 2007. Mesmo assim, a taxa de juros passiva (3,87% ao ano) continua negativa em termos reais e a de empréstimos (7,29% ao ano) continua muito baixa, pois, em agosto, a taxa de inflação chegou a 6,5% ao ano.
É possível que a taxa de inflação chinesa não apenas reflita o aumento no preço dos alimentos (e da carne de porco em particular), como afirma o governo, mas também revele a tentativa de manter a taxa de câmbio subvalorizada. Reservas não podem ser completamente esterilizadas. Portanto, as autoridades chinesas controlariam a inflação mais facilmente se permitissem uma valorização do yuan. Os americanos estão tentando vender esse argumento a ferro e fogo, mas Pequim não quer comprar esse peixe.
O que se passará na China se a recessão nos EUA vier a se materializar?
No final da década de 1990, a China evitou as conseqüências da crise financeira asiática. O país mantinha controles sobre a conta de capital, não contraíra dívida externa nem deixara flutuar o câmbio ou liberalizara os juros. Dez anos mais tarde, acredita-se que esses mesmos elementos, que insularam a China da crise passada, haverão de repetir a façanha ante um novo tipo de crise financeira.
Ora, também no Brasil os mercados financeiros parecem descasados da crise do subprime e o governo fez exatamente o oposto: liberalizou a conta de capital e deixou o câmbio flutuar. O ponto em comum entre os dois países é que, desta vez, o governo brasileiro não tem dívida em dólar.
Mas, como já nos cansamos de ouvir, o futuro depende do advento ou não de uma recessão nos EUA. Por enquanto, o enfraquecimento esperado da economia americana e a decisão do Fed de reduzir a taxa de juros contribuem para a desvalorização continuada do dólar, que ajuda a reequilibrar a economia americana. Desde que o dólar não despenque de repente, forçando o Fed a subir a taxa de juros, estamos a salvo.
Brasil e China, entretanto, têm seus próprios problemas de crédito. A interferência política é notória na China. No Brasil, os créditos direcionados continuam a distorcer o mercado financeiro. O sistema legal parece incapaz de garantir os direitos dos credores, seja na China, seja no Brasil. E dos depositantes também. Você já tentou fechar uma conta bancária?
Apesar das distorções, o sistema bancário funciona. Na China, com a renda crescendo a 10% ao ano e as taxas de juros reais perto de zero, os bancos públicos podem nadar de braçada. Pelo menos enquanto os chineses mantiverem seus depósitos nos bancos a taxas de juros negativas, com a mesma paciência com que os brasileiros conviveram com taxas de inflação de três e quatro dígitos anuais durante mais de uma década.
Mas voltemos à probabilidade de recessão nos EUA. A China tem um superávit comercial em torno de US$ 12 bilhões por mês com o gigante do norte. Como cerca de 25% ou 30% das exportações chinesas ainda se dirigem para os EUA, uma contração da demanda americana seria dolorosa para alguns setores e viria acrescentar-se ao fiasco internacional protagonizado por alguns produtos chineses de qualidade e segurança discutíveis. O protecionismo na Europa e nos EUA está aumentando. Esses efeitos, somados, podem intensificar a contração das exportações.
Por outro lado, Pequim tem procurado reduzir o superávit comercial por meio, por exemplo, do fim do perdão de impostos sobre valor adicionado para produtos exporta
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