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Publicado no Site do Jornal O Estado de São Paulo de 26/09/07 |
A invasão da PUC
Luiza Nagib Eluf
O ano de 1977 foi marcado por episódios determinantes para a restauração da democracia no País. Em 8 de agosto, foi lida no pátio da Faculdade de Direito da USP a célebre Carta aos Brasileiros, de autoria do professor Goffredo da Silva Telles Junior. Na noite de 22 de setembro, soldados da Polícia Militar do Estado de São Paulo, comandados pelo então secretário de Segurança Pública, coronel Erasmo Dias, invadiram a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, situada na Rua Monte Alegre, no Bairro de Perdizes, e prenderam os alunos que ali estavam reunidos, provenientes de várias faculdades. O motivo alegado era a desobediência dos estudantes, que teimavam em recriar sua entidade nacional, a UNE, que fora banida por determinação da ditadura militar que imperava no País.
A invasão foi um ato de selvageria, de truculência, de arbitrariedade, que só poderia ter sido concebido pela mente obscura e doentia dos opressores de plantão. Os soldados entraram batendo e gritando ofensas de todo calão, lançando bombas sabe-se lá de que efeitos, mas o fato é que muitas pessoas passaram mal, desmaiaram e pelo menos duas alunas da universidade foram gravemente queimadas.
É evidente que os estudantes estavam desarmados. É evidente, também, que a manifestação de insubordinação diante da proibição de se reunirem era perfeitamente justificada.
É próprio da juventude desafiar certas normas. É natural e saudável que assim o seja, ou o mundo continuaria sempre igual, não progredindo jamais. É papel da mocidade promover a renovação, e os estudantes da época queriam se livrar da ditadura tenebrosa que engessava o ensino, punia a participação política e queria limitar o saber.
A reunião estudantil da noite de 22 de setembro de 30 anos atrás tinha como objetivo recuperar os ideais de melhores condições de vida para a população, propondo a restauração das liberdades democráticas e a instauração do Estado de Direito. Nada mais legítimo.
No entanto, a ação policial de invadir uma escola por razões políticas (!), desrespeitando qualquer parâmetro de civilidade, não pode ser esquecida, para que não mais se repita.
Em matéria publicada neste jornal no último dia 22, o coronel Erasmo Dias, ao se defender, declarou que “tinha muita mulher lá e mulher não tem jeito para correr, tem perna presa”. Com essa frase o coronel demonstra, mais uma vez, sua visão distorcida sobre os fatos da vida. Primeiramente, porque evidencia um preconceito inadmissível contra a população feminina. Segundo, porque ele estranhou a presença de mulheres no local, fato corriqueiro nas universidades já naquela época - só ele desconhecia essa circunstância. Terceiro, porque mulher não tem “perna presa” coisa nenhuma e qualquer pessoa, mulher ou homem, que for atingida por bomba atirada pela polícia vai se queimar, correndo ou parada.
Passados tantos anos, a única conclusão sensata a que o coronel deveria ter chegado é que a operação foi um desastre. Sacrificou pessoas inocentes que estavam pacificamente reunidas, causando-lhes seqüelas indeléveis tanto físicas quanto psicológicas, e colaborou para enfraquecer a ditadura. É certo que o coronel Erasmo não foi o único responsável pela ação repressora. Foi do governador do Estado à época, Paulo Egydio Martins, que partiu a ordem.
E que não se minta sobre o comportamento dos estudantes. Eles não deram causa à brutalidade. Não tentaram agredir os policiais com atos ou palavras. Ao perceberem a entrada da tropa de choque no campus, os grupos estudantis não reagiram. Correram para dentro do prédio, subindo escadas e rampas, procurando abrigo nas salas de aula, até alcançarem o último andar, onde foram encurralados e presos. Não sem antes sofrerem espancamento indiscriminado com cassetetes e serem intoxicados com quantidades absurdas de gás lacrimogêneo. Posso descrever muito bem o que aconteceu porque eu lá estava, com meu irmão e minha irmã. Éramos, os três, alunos da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, e havia outros colegas conosco, que hoje são juízes, advogad
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