|
Publicado pelo Sítio do Jornal O Estado de São Paulo 04/10/2007 |
Bibliófilo de 93 anos participa de encontro com crianças em fase de alfabetização e diverte-se com as perguntas feitas por elas
Livia Deodato
Tarde ensolarada de segunda-feira. Cerca de 15 crianças muito bem-comportadas entram, a passos lentos e em fila, em uma livraria toda colorida, dedicada exclusivamente a elas - a Casa de Livros, localizada na Chácara Santo Antônio. Vão-se acomodando, uma a uma, num tapete todo costurado em retalhos. Seguram em suas mãozinhas uma tira de papel, na qual guardam uma preciosa pergunta, que foi pensada por cada uma delas e será dirigida a um notável senhor com quem têm encontro marcado. Ninguém melhor para incentivá-las a entrar no fantástico mundo dos livros: o bibliófilo José Mindlin, que acaba de completar 93 anos.
Antes de iniciar o bate-papo, Maria Angela Prado de Melo Aranha, sócia da livraria ao lado de Denize Bianchi Silveira Carvalho, conta às crianças, que têm em média 6 anos, um pouquinho da história da vida de Mindlin, ocupante da cadeira 29 da Academia Brasileira de Letras. “Ele tem a maior biblioteca particular do Brasil e a gente achou que a paixão dele por livros poderia ser passada a vocês.” O silêncio mantido pelos pequenos desde o início do encontro chegou a causar espanto em Mindlin, levando-o a dar um belo conselho (que só não deve agradar muito aos respectivos pais). “Mas vocês estão muito quietos e bem-comportados! Deixem para ser mais sérios assim quando vocês crescerem!”
Acrescente-se a essas palavras mágicas o aviso de que bolinhos de chuva com guaraná seriam servidos ao fim do encontro. “Ebaaa! Eu adoro bolinho de chuva!”, exclama, em alto e bom som, Isabella de Andrade, quase instantaneamente. Aí estavam os dois motivos que faltavam para a garotada ficar mais à vontade para começar a ‘sabatina’. Max Pinheiro de Aquino, de 6 anos, é o primeiro a fazer a sua pergunta. “Por que você resolveu conversar com as crianças?” O sempre muito bem-humorado Mindlin solta um leve sorriso, transparecendo um rápido resgate ao seu tempo de menino. “Eu ainda tenho muito de criança dentro de mim, de modo que gosto de ouvir o que outras crianças têm a dizer. Conversar com vocês me dá muito prazer.”
As professoras da Casinha Pequenina, unidade referente à educação infantil do Colégio Friburgo, onde os meninos estudam, contam que ‘trabalharam’ a biografia de Mindlin antes do encontro, que teve por objetivo reforçar o convite ao descobrimento do mundo encantado que existe por trás do código literário. “Nós ajudamos os alunos a elaborar as questões e orientamos no sentido do respeito à pessoa mais velha, que tem um ritmo muito diferente do nosso. Perguntei a eles, por exemplo, ‘vocês acham que ele vai gostar de uma algazarra, de gritaria?’, ao que todos concordaram que não...”, conta a professora Sonia Tieppo, que há 27 anos trabalha com educação, justificando as boas maneiras até demasiadas da garotada.
É a vez, então, da Isabella, a garota que adora bolinhos de chuva, lançar a sua pergunta, de caráter um pouco mais pessoal: “Qual é a sua comida preferida?” Ao responder que gosta de tudo que na receita leva ovo, Mindlin acaba dividindo opiniões e se diverte com as feições contorcidas que provocou em alguns. “Gosto muito de ovos quentes e também bala de ovo. Aliás, qualquer doce que tenha ovo como ingrediente me atrai”, detalha. Ouve-se, baixinho, um “urgh!” Para completar o cardápio, só mais uma perguntinha. Bebida favorita? “Quando era rapaz adorava frapê de coco. Agora gosto bastante de tomar vinho e guaraná, mas ainda assim não supera o meu gosto pelos livros”, rebate.
A coleção de aproximadamente 50 mil obras, entre valiosos tesouros como a primeira edição de O Guarani, de José de Alencar, e o original de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, também foi alvo da curiosidade dos meninos em processo de alfabetização. Além de contar como formou todo esse acervo ao longo dos anos, Mindlin fez questão de enfatizar que não gosta do rótulo de ‘colecionador’. “Eu gosto muito de ler e quando a gente começa a ler um livro que gosta, não tem vontade de parar. Est
http://txt.estado.com.br/editorias/2007/10/04/cad-1.93.2.20071004.3.1.xml
Jornal O Estado de São Paulo
Para mais informações clique em AJUDA no menu.
|