Lixo eletrônico invade Cracolândia |
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Publicado no Site da UOL em 09/11/07 |
Lixo eletrônico invade Cracolândia e torna assistências técnicas em ferro-velho
Rodrigo Bertolotto
Em São Paulo
O cenário parece o futuro decadente e tecnológico a la Mad Max: guimbas de cigarro ao lado de transistores, uma garrafa vazia de vinho no meio de carcaças amareladas de computador, um tênis velho entre placas-mãe molhadas pela chuva que também molha a Cracolândia, região do centro de São Paulo povoada de dia pelo comércio eletrônico e de noite pelo comércio de pedras narcóticas.
CEMITÉRIO ELETRÔNICO
Técnico em informática separa peças em meio a pilhas de monitores antigos
Operário "renova" computador amarelado aplicando uma demão de tinta branca
O chamado e-lixo também pode ser bem tóxico, contendo metais pesados como chumbo, níquel, arsênico e mercúrio, ameaças ao homem, solo e água. "Derrubei um tubo de monitor, o vidro entrou na minha perna, e a ferida demorou três meses para cicatrizar", conta Enrique Hidalgo, que de técnico em informática virou sucateiro com a virada digital que transformou a tecnologia analógica em entulho.
O arruinado sobrado em que trabalha já sofreu três tentativas de roubo. Os ladrões escalaram o muro alto, cortaram a cerca elétrica, reviraram os corredores apinhados de aparelhos e saíram sem levar nada. "Eles viram entrar tanto equipamento, acharam que havia coisa de valor. Ainda bem que não tinha nenhum funcionário na hora. Eles podiam querer se vingar, e fazer alguma maldade", alivia-se o imigrante chileno Hidalgo, olhando a cerca elétrica que virou um emaranhado e é mais um dispositivo imprestável do local.
A área da rua Santa Ifigênia, tradicional meca eletrônica de São Paulo, revela um fenômeno que os brasileiros só ouviam falar que acontecia nos países ricos: computadores em perfeito uso jogados, sem valor de mercado.
Na vizinha rua Vitória, o alemão Peter Jurgen trabalha em uma loja que tenta achar clientes para os componentes analógicos, amontoados ao lado de objetos tão obsoletos como projetores de slide, calculadoras de mesa, walkie-talkies ou retroprojetores.
"A tecnologia analógica não vai acabar. Ela ainda é mais precisa e segura. Não tinha tanto hacker quando o sistema era analógico. Até a Nasa mantém os painéis analógicos em suas espaçonaves porque os astronautas visualizam melhor", afirma, otimista, Jurgen. E ele dá o exemplo de sobrevivência da válvula, que resiste em amplificadores até hoje. "O analógico vai cuidar do serviço pesado enquanto o digital fará o trabalho inteligente", projeta o técnico que deixou a antiga Alemanha Oriental aos oito anos de idade com os pais.
Na frente de prateleiras com osciloscópios, voltímetros e aparelhos gigantes de GPS, Jurgen atende um cliente que compra por R$ 70 um monitor que serviu dez anos a um banco. O aparelho veio em um lote leiloado junto a dezenas deles - o que não for vendido vai virar entulho. "Um cliente nosso é o Museu do Computador. Quando recebemos um modelo emblemático de uma época repassamos para eles", conta o alemão. O museu (localizado na avenida do Rio Bonito, 1201, em Interlagos) guarda a história da máquina desde os primórdios da era analógica, nos anos 40, com computadores que ocupavam andar inteiro e dados saindo e entrando por meio de cartões perfurados.
Já o refugiado chileno não vislumbra futuro e nem quer lembrar do passado. "A mudança foi uma hecatombe para nós. Chegamos a ter 30 funcionários, montar computadores, dar assistência às empresas. Hoje quem vai mandar consertar algo com tanto crediário para comprar um novo, com tela de plasma, LCD etc?", pergunta-se Hidalgo.
Peças desmontadas de computador se misturam com cinzeiro em ferro-velho
UOL TECNOLOGIA
Além das razões econômicas (dólar baixo, crédito fácil, estabilidade econômica) e tecnológicas, o cerco da Polícia Federal às peças chinesas contrabandeadas via Paraguai e aos caça-níqueis (muitos locais dali montavam essas máquinas) também prejudicou os negócios da região. "A nova tecnologia só serve para concentrar o negócio nos grandes conglomerados", sentencia Hidalgo.
Responsá
http://noticias.uol.com.br/ultnot/2007/11/09/ult23u708.jhtm
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