Entrevista
“Quando lemos um livro nunca saímos
dele
do mesmo jeito que entramos”
Donato, Maria de Fátima
e Vanja lecionam Língua Portuguesa
em escolas do interior paulista. O amor à
Literatura os levou à profissão.
Não contentes, passaram a escrever
suas próprias poesias, contos, ensaios,
meios de se expressarem e se relacionarem
com o mundo, vasto mundo. Os três foram
os primeiros classificados no Concurso Professor
Escritor, nas categorias Poesia, Conto e Ensaio.
Donato Silva Filho é professor da E.E.
Prof. Genésia Isabel C. Mencacci, de
Sorocaba, e foi classificado em primeiro lugar
na categoria Poesia, com “Janelas Abertas
III”; Maria de Fátima Lucena
de Oliveira Totoli, da E. E. Profa. Clarice
Costa Conti, de Americana, foi premiada na
categoria Ensaio, com "Atmosferas densas
numa narrativa solidária"; Vanja
Thiers Cacciatori, da E. E. Prof. Geraldo
Alves Correa, de Campinas, ficou em primeiro
na categoria Conto, com “O brilho do
silêncio”.
Leia a seguir a entrevista que eles concederam
ao site do CRE Mario Covas, na qual contam
como começaram a escrever, o que os
moveu a participar do Concurso, as expectativas
que tinham, a importância da leitura
em sala de aula... |
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aqui para ver os nomes dos vencedores e dos
professores que receberam Menção
Honrosa no concurso.
Há quanto tempo você escreve? Como
começou?
Donato - Escrevo poemas desde que
era aluno da 5ª série da então
E. E. P. G. “José Gomide de Castro”,
em São Miguel Arcanjo, “cidadezinha
qualquer” da região de Sorocaba.
Reza a lenda que “quem bebe água
do Iguapé sempre volta a São Migué”.
Acredito. Em minha cidade, poesia é “querência,
vida rio gente mata bicho lua dor pele boca sonho
seixo sorriso estrela ciência oração”.
E parto, e luto. E outros mundos insuspeitados
em nós e a rede de perguntas não
respondidas e responsos por respostas desencontradas
e o risco do silêncio inevitável
do indizível. E respira.
Maria de Fátima -
Faço pesquisas e escrevo sobre autores
da Literatura Brasileira desde 1984, quando fazia
o antigo curso Magistério normal. Eram
trabalhos de pesquisas com autores como Machado
de Assis, José Lins do Rego, Carlos Drummond
de Andrade, Manuel Bandeira, Castro Alves, José
de Alencar, Joaquim Manuel de Macedo, Aluísio
de Azevedo, o Modernismo no Brasil, entre outros,
e que na realidade, eu nem sabia que eram ensaios,
por na época não ter conhecimento.
Fazia estes trabalhos por prazer, pois sempre
lia obras de autores brasileiros e ao término
das leituras sentia uma imensa necessidade de
escrever sobre o que lia. Então eu pesquisava
sobre a vida e obra do autor e ia lendo as obras
mais importantes de cada um deles e anotando as
impressões que tinha sobre a leitura.
Vanja - Comecei a escrever
contos em meados dos anos 80, quando senti necessidade
de escolher a forma de expressão que melhor
se adaptasse à minha natureza.
Quais as ‘matérias-primas’
para o seu trabalho literário?
Donato - Minha matéria-prima?
“O tempo é a minha matéria,
o tempo presente, os homens presentes,a vida presente.”
(Carlos Drummond de Andrade) “Escrever por
aqueles que não podem escrever. Falar por
aqueles que muitas vezes esperam ouvir da nossa
boca a palavra que gostariam de dizer.”
(Lygia Fagundes Telles). “A linguagem é
o meu esforço humano.” (Clarice Lispector)
Quando o dia está muito ruim (“O
tempo é ainda de fezes...”, Carlos),
penso: vias melhores dirão... “Este
é o meu testemunho.” (Ana Cristina
César)
Maria de Fátima -
A matéria-prima do meu trabalho literário
é a leitura e a pesquisa. Leio e pesquiso
por prazer. Sou uma leitora assídua. Quanto
à ficção, a substância
fundamental é o sonho. Sonho com histórias
tanto dormindo quanto acordada, converso muito
com minhas personagens, quando imagino minhas
histórias.
Vanja - A realidade,
o mundo e a forma.
Já tem materiais publicados?
Donato - Meu poema
“Capítulo” foi selecionado
por Caio Fernando Abreu e Ignácio de Loyola
Brandão em 1989, num concurso da W/GGK.
O poema “Dezembro” foi publicado na
antologia Folhas avulsas (SP, Educ, 1992), resultado
do I Concurso Universitário Livre de Poesia
Brasil-Portugal da PUC/SP. Nunca me esforcei por
editar poemas. Não me pergunte por quê.
Nos idos de 1989, numa sessão de autógrafos,
na USP, Lygia Fagundes Telles (não sei
por que mistério) perguntou-me, afirmando,
se eu era poeta. Como nunca tive certeza de nada,
respondi sem convicção que escrevia
algumas coisas. Ela então assentiu e escreveu,
no exemplar de ‘A disciplina do amor’
que lhe estendi, como se não precisara
de resposta: “Para o poeta, com votos de
sucesso.” Fiquei emocionado.
Maria de Fátima -
Tenho apenas uma poesia que foi publicada
numa coletânea de textos selecionados pela
Secretaria de Educação de Pernambuco,
depois de ter participado de um concurso em nível
nacional e ter recebido um diploma de Menção
Honrosa.
Vanja - Na época
que cursava a graduação, um jornal
publicou algumas poesias minhas.
Como ficou sabendo do Concurso Professor Escritor?
Donato - Soube do Concurso Professor
Escritor por meio do professor coordenador da
Escola Estadual onde leciono.
Maria de Fátima -
Fiquei sabendo do concurso através
de um texto retirado do site do Centro de Referência
em Educação Mário Covas e
que estava anexado no mural da sala dos Professores.
Depois encontrei um prospecto também anexado
no mesmo mural.
Vanja - Durante uma
das reuniões pedagógicas realizadas
na escola recebemos o folder sobre o evento.
Foi difícil tomar a decisão de participar?
Achava que tinha chances?
Donato - Embora
nutrisse esperanças de ter o texto apreciado
(“Viver sem sonho, pra quê?”,
Lygia Fagundes Telles), não imaginava que
ele ficasse entre os cinco primeiros. A decisão
de participar do Concurso foi fácil. Difícil,
mesmo, achar tempo neste “tempo de divisas,
tempo de gente cortada...” (Carlos Drummond
de Andrade).
Maria de Fátima -
Não foi difícil tomar a decisão
de participar do concurso, pois quando vi a categoria
Ensaio sobre a obra de Lygia Fagundes Telles,
lembrei-me do trabalho redacional sobre vida e
obra de Cecília Meirelles, imaginei que
seria no mesmo estilo, comecei a matutar por onde
começar, então busquei todo o material
necessário para o trabalho na Biblioteca
do Professor na escola. Tudo isso devo também
ao trabalho de leitura que desenvolvi com meus
alunos durante o ano. Pensei em homenagear a escritora
com a leitura de uma obra, no caso ‘As Meninas’
em sala de aula, e a leitura de vários
contos. Quanto às chances de ganhar para
mim era uma impossibilidade, pois tem muita gente
boa por aí que lê, estuda muito e
escreve.
Vanja - No momento que
tomei conhecimento da existência do concurso,
acolhi com entusiasmo a iniciativa do CRE Mário
Covas e vislumbrei a possibilidade da minha participação.
As oportunidades de fazer notar uma obra literária
são tão raras por aqui que a minha
expectativa de ter chances não estava centrada
no fato do meu conto ser selecionado ou não,
e sim na oportunidade de mostrar o meu trabalho.
Qual a importância de ter vencido o concurso,
com seu trabalho selecionado por um júri
de especialistas renomados?
Donato - Ser apreciado por grandes
pensadores de nossa cultura é muito bom.
Mas importa de fato ser lido, visto que ninguém
escreve para ninguém. Neste país
de não letrados, penso que, infelizmente,
ser publicado e lido é um luxo para poucos.
Há tantos bons artistas inéditos
e tanto lixo cultural circulando. Aliás,
luxo e lixo caríssimos. Contradição
que vem de longe... Salve, Lima Barreto!
Maria de Fátima -
Nossa! Isso foi fantástico para mim.
Está sendo de uma significação
tão imensa. Comento com as pessoas que
o melhor de tudo foi saber do grande corpo de
jurados que leu e selecionou o meu texto. Eu li
obra de Norma Goldstein, Marisa Lajolo, Luiz Galdino,
Viviane Bosi, então isso foi maravilhoso!
Quando vi o nome dos componentes que integraram
o corpo de jurados, fiquei lisonjeada, pois não
é sempre na vida que temos uma oportunidade
destas, com escritores, professores doutores,
especialistas tão ilustres lendo um texto
nosso. Isso me dá mais coragem para continuar
escrevendo. E como já disse, não
deixar meus textos engavetados.
Vanja - Aconteceu a
presença total, integral, com ampla capacidade
de aprender e experienciar. Aconteceu o encontro
essencial, o ponto de encontro, o face a face,
a gratuidade em instância superior. ...
"Um artista anônimo pode, muitas vezes,
criar uma obra verdadeira, e passar despercebido."
(Ferreira Gullar). A realização
de uma obra literária que propiciou o acontecimento
de uma relação de reciprocidade,
foi gratificante.
Como se sentiu ao receber a notícia do
prêmio?
Donato - Porque sou tímido
e (modéstia à parte) modesto, senti
uma espécie de constrangimento feliz com
a notícia da premiação. Ainda
mais porque me havia esquecido completamente do
concurso. Tocou-me, de fato, a mobilização
dos alunos, que me deram de presente - com sua
alegria -, a clareza do que deva ser algo próximo
ao sentimento de uma pessoa vitoriosa. É
a eles, portanto, que dedico este prêmio.
Maria de Fátima - O
prêmio para mim é algo simbólico.
O Prêmio é bom? É. É
sempre bom receber um prêmio como reconhecimento
do nosso trabalho, mas o mais importante é
saber que o texto será publicado, que o
meu trabalho está sendo reconhecido.
Vanja - Comemorei. Dei
pulos de alegria e junto cantarolei – ganhei,
ganhei, ganhei!
Acredita que esse prêmio pode servir como
um estímulo também para os seus
alunos? Como trabalha a leitura em sala de aula
com eles?
Donato – É estimulante,
sim, para os jovens ter o professor reconhecido
por um seu trabalho. Leitura é um exercício
que os alunos da Escola Estadual Profª Genézia
Mencacci praticam, em diversos níveis,
desde a alfabetização. No início
do ano, o corpo docente pensa um projeto para
a Escola, o qual é adequado a cada turma,
pois elas são grandes e heterogêneas.
Espaço e material são condições
imprescindíveis. Motivação
também. Além de utilizar audiovisuais
e outros recursos, procuramos aproximar sensivelmente
os alunos do texto escrito, seja ele literário
ou informativo. Assim, contam-se e recontam-se
histórias, organizam-se sessões
de leitura em sala de aula e ao ar livre, jograis,
grupos de dramatização... Familiares
e amigos lêem livros emprestados pelos alunos,
trocando idéias com eles. Sabemos que a
participação consciente destas pessoas
é essencial na educação formal
dos jovens. Nas reuniões de pais, reservamos
um tempo para conversar a esse respeito.
A poesia está presente sempre que possível
e incrementa, nas aulas, epígrafes sugeridas
pelo professor ou pelos alunos; antologias, canções,
trovinhas juvenis flagradas nos cadernos de redação,
que servem também de cadernos de poesia
e diários ilustrados...
Como nossa escola não tem espaço
útil para uma biblioteca que funcione na
prática (é atualmente usada para
sala de aula), os “professores-bibliotecários”
trabalhamos com uma biblioteca itinerante. Após
uma triagem para adequação de títulos
à faixa etária, os livros são
disponibilizados para que os alunos manuseiem,
escolham e leiam à vontade o que lhes interessa
ler. Nada é imposto; ninguém é
obrigado a ler. Só assim conseguimos que
aos poucos desenvolvam respeito pelo livro e pelo
momento de leitura.
Muito livro bom tem chegado, coleções
preciosas de literatura brasileira e universal
às quais, não fosse pela escola,
alunos carentes jamais teriam acesso. Às
vezes, o aluno não quer ou não pode
ler. Quem vai obrigar? Interessa-nos sobretudo
a formação do hábito de leitura.
Que esta seja valorizada como fruição
e meio de lidar com a curiosidade e o conhecimento.
Nossos maiores obstáculos são ainda
o grande número de alunos por turma, a
carência de melhores condições
materiais e uma jornada exaustiva de trabalho
a que a baixa remuneração impele
os professores.
Maria de Fátima -
Acredito. Acredito e muito. Tanto é
que li meus textos em algumas salas. Inclusive
antes de mandar o conto que recebeu a Menção
Honrosa, eu o li para alguns alunos. Quando uma
de minhas alunas falou: "Nossa, professora,
não consigo conter a vontade de chorar!
É Lindo!"; foi quando me veio a idéia
de enviá-lo para o concurso. Depois do
resultado, comentei com eles sobre o reconhecimento
do meu trabalho, quem foi o júri que selecionou
o texto; e, sempre falo para eles que ler é
o melhor caminho. Não existe amigo melhor
na vida do que um bom livro te acompanhando sempre.
Quando terminamos de ler um livro é como
alguém tão próximo que está
partindo, ficamos com saudades das personagens.
Acredito que a literatura é um
meio que temos para transformar o ser humano.
Quando lemos um livro, nunca saímos dele
do mesmo jeito que entramos, alguma coisa sempre
vai mudar, e nós vamos mudando, nos transformando
e a literatura nos ensina a ter mais amor, a sermos
mais solidários com as pessoas. Faz-nos
acreditar que não fazemos parte deste planeta,
que estamos só de passagem por essa grande
Nave Mãe Terra, que fazemos parte de uma
dimensão maior, uma dimensão que
nos mostra onde encontrar Deus. O Universo é
infinito, mas mais infinita ainda é a imaginação
do homem que lê e cria.
É muito importante que o professor
leia junto com seus alunos e fale o que está
lendo. Do mesmo jeito que a TV engenhosamente
aguça a curiosidade das pessoas para assistir
as novelas, resumindo os fatos, mostrando o enredo,
deixando-os curiosos para assistirem as cenas
subseqüentes, procuro fazer com os livros
em sala de aula: pego-os e vou contando o enredo,
apresentando as personagens, situando-os dentro
do contexto das épocas, deixando o clímax
e o desfecho por conta da curiosidade deles. Muitos
ficam nervosos porque eu começo a história
e não falo o final. Vejo-os indo à
biblioteca e buscando o livro para ler; num segundo
momento, seleciono contos que dialoguem com textos
de outros autores, faço as várias
leituras em sala de aula, aluno/professor, professor/aluno,
interagindo, dramatizando, contextualizando. Discutindo
e debatendo, numa interação, apreendemos
os significados, confrontamos as diversas opiniões
e visões de mundos, contamos o que lemos.
Depois trabalho a intertextualidade, pois há
muitos textos que o autor dialoga com outros textos.
Levo os alunos ao teatro, sempre que tem peças
cujos textos estão no contexto das leituras,
pois a interpretação do palco é
sempre uma nova leitura. Trabalho também
as leituras audiovisuais. Vivemos numa aldeia
global, o planeta Terra tornou-se um só
país devido a influência dos meios
de comunicação. Nossos alunos já
vêm informados para sala de aula. É
necessário percorrer o caminho da variedade
de leitura, fazendo o aluno degustar sentindo
o sabor da diversidade de textos, desde o jornal,
as propagandas, aos textos literários,
pois a leitura não é só um
conhecimento, mas também uma habilidade
que deve ser dominada através do uso.
Vanja - Com certeza.
A conseqüência desse prêmio foi
o crescimento do interesse dos alunos por uma
renovação de valores – o insignificante
tornou-se significado – já são
visíveis mudanças comportamentais
como: a proximidade comunicativa, a confiança,
a amabilidade e a vontade de aprender. Em sala
de aula, utilizo as mais variadas linguagens:
a oral, a escrita, a cênica, a plástica,
a música e recursos audiovisuais.
(Nilva Bianco - CRE Mario Covas)
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