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Boa noite |
Sexta-Feira , 02 de Maio de 2025
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>> Olimpíada de Língua Portuguesa |
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Para subsidiar as diversas fases da Olimpíada de Língua Portuguesa e manter sempre viva a discussão sobre temas literários, este espaço será dedicado a Crônicas, de ontem e de hoje, cujos autores trouxeram riqueza e sabor para nossa literatura.
São crônicas que registram o circunstancial, o efêmero, que recriam com engenho e arte o real, que exploram a função poética da linguagem, que imprimem leveza ao discurso narrativo, que expõem o narrador, que revelam e valorizam, na visão do autor, a crítica de um momento histórico, que atenuam o vínculo de temporalidade e eternizam o texto.
“... a crônica está sempre ajudando a estabelecer ou restabelecer a dimensão das coisas e das pessoas. Em lugar de oferecer um cenário excelso, numa revoada de adjetivos e períodos candentes, pega o miúdo e mostra nele uma grandeza, uma beleza ou uma singularidade insuspeitadas. Ela é amiga da verdade e da poesia nas suas formas mais diretas e também nas suas formas mais fantásticas....”
Antonio Cândido, 1980 |
0 TEMPO DAS CRÔNICAS *
Acho que foi uma espécie de provocação
amistosa. Quando minha amiga soube que eu estava
escrevendo crônicas, ela disparou por
telefone mesmo: "Sabe o que disse um escritor,
com quem eu mantenho contato, sobre as crônicas?
Fiquei em silêncio, pressentindo as críticas
que viriam.
"Ele acredita que são ficções
malfeitas. Um tipo de conto preguiçoso,
ou uma história de pouco fôlego."
Fiquei contente. Há tempos que desejava
escrever sobre o tema, e o desafio me incentivou.
De início, concordei com o "pouco
fôlego". Sempre comparo esse gênero
literário à fotografia, técnica
que se propõe a registrar instantâneos.
As crônicas, via de regra, não
se metem a grandes narrativas, como um longa-metragem.
Isso fica para os romances ou aos seus irmãos
menores, as novelas. Olha-se uma situação,
escuta-se um caso, recorda-se um episódio,
e eis o material para a reflexão. Tudo,
literalmente, funciona como assunto. Serve o
trânsito? Serve. A impunidade dos ministros,
os campeonatos esportivos? Servem também.
Quem não leu ainda À sombra das
chuteiras imortais, de Nelson Rodrigues, está
perdendo uma ótima análise dos
brasileiros pelo futebol.
Coisa curiosa: tanto faz se o fato principal,
o foco de interesse, ocorreu no Afeganistão
ou na casa do vizinho. Nesse sentido, 0 nascimento
da crônica, artigo escrito por Machado
de Assis em 1877, é memorável.
Nele, o mestre destaca que a maneira certa de
se começar uma crônica é
por uma trivialidade.
Mas quem teria inventado esse gênero literário,
e quando isso teria ocorrido? Machado ironiza:
foi no exato momento em que apareceram as primeiras
vizinhas. Elas se sentaram à calçada
no final do dia e, provavelmente, disseram:
"Que calor! Que desenfreado calor!".
Então, do clima, a conversa foi para
as plantações e aos demais acontecimentos
que as circundavam.
Volto para a provocação da minha
amiga e pergunto: será que a crônica
é realmente um gênero menor? Como
um advogado de defesa, fui pesquisar e destaco
os trechos mais importantes que encontrei sobre
o assunto.
No Dicionário Aurélio deparei
com várias definições para
crônica. Em resumo, ela é considerada
um texto jornalístico escrito de forma
livre e pessoal, cujos temas são idéias,
fatos da atualidade ou do cotidiano. Foi justamente
o caráter jornalístico que me
chamou a atenção e lembrou-me
um livro excelente sobre a história da
imprensa*, escrito por Jagcques Wolgensinger.
Segundo o autor, a imprensa teria surgido para
atender à necessidade que o ser humano
tem de informar-se sobre o mundo que o cerca.
Porém, as notícias, além
de orientar as pessoas, deveriam oferecer algo
mais: "o prazer de descobrir".
Nutrindo a minha obsessão de advogado,
palpito que a crônica - sendo "livre
e pessoal" - pode explorar mais esse prazer
do que o texto jornalístico, limitado
à informação. Jagcques
considera os poetas gregos e os trovadores da
Idade Média, ancestrais do jornalismo
moderno. E (por que não?) excelentes
cronistas, já que em seus cantos eles
informavam para o povo fatos míticos
mesclados ao cotidiano.
Bem, devo confessar uma coisa: quanto mais mergulhava
na história da imprensa, mais maravilhado
eu ficava. Quem imaginaria que o primeiro jornal
do ocidente, o Acta Diurna romano, já
se utilizava das crônicas? E o que pensar
do Commentarius Rerum Novarun4 que à
época de Júlio César conseguia
ser semanal? Detalhe: eram feitos 10.000 exemplares,
escritos à mão por escravos.
Pulo, por uma questão de espaço,
centenas de anos e encontro mais um elemento
para defesa da crônica. Estamos no século
XIX, as publicações são
diárias, a distribuição
é ampla, notícias voam entre os
continentes. Inicia-se o império dos
grandes jornais com a árdua tarefa de
conquistar leitores.
A necessidade furiosa de vender jornais acirrou
a competição entre os impressos.
O francês La Presse, em 1836, dá
um golpe fatídico, corta seu preço
pela metade e duplica suas vendas. A concorrência,
percebendo o seu sucesso, logo o imita. Girardin,
o gênio do La Presse, não se abate
e apela à qualidade, convocando os grandes
escritores da época. Mas para quê?
Para escreverem crônicas!
Sim, e eu considero esse o meu argumento final:
o que dizer de Balzac, Victor Hugo, Alexandre
Dumas escrevendo essas "ficções
mal feitas"? Pois foi isso o que ocorreu.
A cada dia, uma crônica diferente aparecia
na primeira página para estimular os
leitores a lerem o resto do jornal.
Felizmente, essa competição entre
os gigantes do jornalismo se manteve. Trouxe
frutos, deu exemplos para que outros países
os imitassem. Graças a ela, nossos melhores
escritores, cujos textos podemos encontrar em
coletãneas, retrataram suas épocas
e costumes. A palavra crônica está
ligada ao tempo (do grego chrónos, tempo)
e funciona como um registro do presente. Basta
procurar nos jornais de hoje. Os grandes cronistas
passam por lá.
L'Histoire à La Une - La grande aventure
de Ia prense. Publicado em 1989, pela editora
Gallimard. Jagcques Wolgensinger, jornalista
francês, ganhador de vários prêmios,
como Le prix Broquette-Gonin da Academia francesa
em 1975.
(*)
Extraído de:
BLOISE, Paulo. O tempo das crônicas. In:
________.
De
olho na rua. Belo Horizonte : Dimensão,
2002. p. 14-18.
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