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Bom dia
Terça-Feira , 19 de Março de 2024
>> O Professor Escreve Sua História
   
 

Aula de Português

Prof. Nelson Viana dos Santos

Entrou na sala quando os professores saíam para as classes. Procurava desviar o olhar dos colegas que, por outro lado, nada comentavam, simulando uma normalidade que não mais existia.

Como fazia há anos, apanhou o chaveiro e abriu a porta do armário de aço. Aquele frio aço envelhecido que guardava objetos conhecidos: algumas gramáticas marcadas pelo uso, giz, apagador, os diários do ano... Involuntariamente lembrou-se do poema de Drummond. Quisera ter aquele aço na alma para não sofrer como vinha sofrendo nos últimos dias.

Pegou o necessário, fechou o armário e caminhou rumo à escada que conduzia ao andar superior. Um ou outro aluno, retardatário, subia às pressas, vencendo dois degraus de cada vez. Sentiu uma certa inveja daquela juventude, daquela adolescência confusa mas cheia de de energia e de sonhos.

"És todo certeza. Já não sabes sofrer." Drummond novamente. Mas ele sofria e, ao vencer o primeiro lanço, sentiu uma pequena vertigem. Seu corpo cansado, já envelhecido por anos e anos de trabalho, acusou o esforço despendido. Seus olhos ficaram nublados e um imenso cansaço fez com que buscasse o apoio da parede. Fraqueza na certa. Nos últimos dias nada comera. Depois do enterro de Ana, um parente oferecera ajuda, quiseram levá-lo embora mas ele recusara. Voltar para casa era penoso mas mais difícil seria conviver com os parentes, verdadeiros estranhos que usavam o mesmo sobrenome.

Tudo se resumia no seguinte: como suportar o que lhe restava de vida? Como suportar os outros?

Avançou pelo corredor como um autômato. Na verdade arrastava um corpo envelhecido e uma alma semimorta. Numa fração de segundo recordou seu início de carreira como professor de Português. Seus planos, seu entusiasmo. Trinta e tantos anos depois o entusiasmo desaparecera. Nos últimos anos, cada vez mais, sentia dificuldade de conviver com seus alunos e seus colegas mais jovens. Faltava paciência; a comunicação era difícil, poucos se interessavam por livros e ele, o professor, que deveria estimular o interesse da juventude pelos clássicos, já se sentia sem forças para lutar contra a impaciência dos alunos.

Nos últimos anos pensava muito na aposentadoria. Pretendiam mudar-se para o litoral, que Ana tanto amava, e envelhecer juntos. Não tiveram filhos, mais por causa dele - o que de certa forma revelava egoísmo de sua parte. Ana aceitara a decisão por amor a ele... Agora ela se fora e o passado não mais podia ser modificado.

Nesse momento deu-se conta que já estava na sala, atrás da mesa, olhando para os alunos com os dedos polegares e indicadores apoiados no tampo da mesa, seu velho costume.

Disse bom-dia. Os alunos responderam e, sensíveis, esperaram o velho professor dizer alguma coisa. Aquele velho maçante por quem, no fundo, tinham uma grande estima.

Por um momento passou os olhos pela classe; quarenta pares de jovens e brilhantes olhos esperavam, solidários, que o mestre tivesse forças para iniciar a aula.


EEPSG "Martim Egídio Damy" - Capital

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