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Boa noite
Terça-Feira , 19 de Março de 2024
>> O Professor Escreve Sua História
   
 

Deusimar

Prof ª. Claudete Campos Moreira Lunardi


Naquele tempo eu lecionava num daqueles oásis que nascem da cana e dela vivem. Vivem do seu corte para comer e de seu destilado para suportar. Só conheciam aquele lugar os que ali viviam, porém ninguém conhecia os que ali viviam. Talvez pelo mesmo e desconhecido motivo pelo qual os de lá gostavam do lugar, eu aprendi a gostar. Era a minha Pasárgada.

Tomava-se um ônibus improvável para chegar-se a lugar improvável. E enquanto o ônibus serpenteava por entre a selva monótona, eu era obrigada a filosofar porque os sacolejos não permitiam nem a leitura nem o crochê. Era um incômodo encontro entre eu e eu mesma. Um encontro na madrugada e no frio, onde o mau-humor esbofeteava a Poliana.

Na cabeça, num videoclip indignado, apareciam os políticos, a tocha humana chinesa que protestava contra algum chinês, o namorado que não ligou, o pai ranzinza e a mãe que não entendia. Esses fragmentos revoavam a cada curva de nível, e em seu lugar outros não menos irritadiços pousavam. Mas tudo isso fugia logo ao primeiro "bom- dia" na sala de professores.

Foi num dia desses que apareceu a Deusimar, assim, do nada. Bonita era porque era criança e não existe filhote feio. Digamos assim: Ninguém nunca se lembraria dela para um comercial da Parmalat... Os cabelos desgrenhados, os dentes permanentes natimortos e tinha esmalte nos dedinhos encardidos. Usava uma camiseta onde se liam um nome e um número. Presente do "Tio" que, de quatro em quatro anos, descobria que eram gente os dali e, porque gente são, votam.
Acontece que a Deusimar tinha um pai e o pai cortava cana. Cortava para a usina e a usina pagava o pai. O pai deu duas de cem para a mulher, uma de um para o filho, outra de um para Deusimar e ficou com a de cinqüenta porque ninguém é de ferro. O irmão pegou o dinheiro e logo comprou um pirulito grande e chato, daqueles que nem cabem na boca. Já a Deusimar, não. Ela comprou não um, mas dois, daqueles que vêm com um apito.

No recreio, eu me entretinha com uma tangerina e ouvia a Manã contar a última do Paulinho quando ela veio. Esperou pacientemente o Paulinho cair da mangueira e depois disse com um fio de voz:
- Dona, ontem meu pai recebeu. Entãããoo, ele deu dinheiro pra mim e pro meu irmão. Entãããoo meu irmão comprou um pirulito grande. Eu não! Eu comprei dois pequenos. Um pra mim e um pra Dona. Tó.
E fugiu com suas perninhas de siriema.

Obrigada, Deusimar. Seu pirulito salvou os políticos, meu namorado, minha mãe e meu pai. Com o troco redimiu a humanidade. Felizmente os pirulitos valem mais que qualquer policial de Diadema ou queimador de pataxós, além de outras desgraças via satélite.


EEPSG "Prof. Dr. Benedicto Montenegro" - Jaú

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