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Bom dia
Quinta-Feira , 28 de Março de 2024
>> O Professor Escreve Sua História
   
 

Doce Engano


Prof ª. Floripes Soares dos Santos

Oitava série. Trinta e tantos alunos barulhentos acomodam-se arrastando as carteiras e fazendo piadas.

Em meio a esse tumulto, um garoto sardento, desses que adoram contar as novidades, grita:

- Professora, aluno novo!

Lá no fundo, dois imensos olhos azuis saltam de um rosto em brasas.

Fito-o com simpatia e o cumprimento. Conheço-o, de algum lugar.

Pergunto-lhe o nome e em qual escola já lhe dera aulas. Ele nega, não me conhece. Continuo a interrogá-lo. Seu nome, de fato, me é estranho, mas... o rosto em fogo, o modo de sentar-se e os olhos me são muito familiares. Insisto, faço mais perguntas. Tenho certeza de já o ter visto, assim, sentado diante de mim. Ele, incomodado, já não encontra mais posição para sentar-se.

A classe inteira em silêncio. Eu olhava para ele, procurando em minha memória como decifrar aquele mistério.

De repente, me vejo perguntando-lhe:

- Seu pai se chama Antônio?

Ele sorri aquiescendo e eu complemento:

- Antônio Veloso. Você é parecidíssimo com ele.

A classe me interroga com os olhos.

Milhões de conjecturas deveriam estar fervendo em suas cabecinhas.

E, também, com certeza não descartavam a possibilidade de eu estar "caducando". Conheço bem meus alunos!

Resolvi, então, desvendar-lhes o mistério do aluno novo.

Fiz um parêntesis na aula, para reportar-me aos anos 70, e contar-lhes minha história:

Uma sala de Mobral. Rostos cansados, mãos trêmulas e calejadas, diante de uma professorinha magra, novinha e inexperiente.

Dentre os alunos, destacava-se uma senhora sorridente e bonita, nos seus sessenta anos. Não faltava um dia, não tanto por aprender, mas para acompanhar e, no íntimo, se orgulhar da filha professora. Faz tanto tempo... mas o brilho dos olhos, daqueles seres ansiosos, que se esforçavam ao máximo para aprender o nome e se tornarem alfabetizados é o mesmo que vejo hoje, nos jovens, quando vêem algo novo. Foi assim que reconheci esses olhos azuis. Seu pai, um pedreiro, fizera parte dessa classe de Mobral. A minha primeira turma. Quantas lembranças me vêm à mente. Que saudade, seu Antônio, daquele tempo. Quem diria, eu conheceria seu filho. E que peça nos prega o destino. Eu, a confundi-lo com ele. Como se o tempo não tivesse passado...

No espelho não vejo mais a mocinha magra. Nem a mãe acompanha a filha professora.

Os alunos ouviram em silêncio esse relato confuso, respeitando minhas divagações e lembranças doídas.

Entenderam tão bem e me pareceram quase adultos, crianças queridas, quando, no dia seguinte, trouxeram à porta da sala de aula o senhor Antônio.

Não sei como conseguiram trazê-lo, como o convenceram a vir. Só sei que nossas lágrimas se confundiram num abraço de lembranças e saudade.


EEPG "Profª Nilza M. S. Paschoal" - Agudos

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