Louvor a Heróis-meninos
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Prof ª Maria Leane Aravechia |
A terceira aula da quinta série C iniciara-se havia não mais que quinze minutos naquela tarde quente de verão.
No velho contêiner, as luzes acesas intensificavam o calor do ambiente, produzindo reclamações e abanos incontidos com leques toscos de folhas arrancadas dos cadernos.
Fora da sala, o céu irritado, carrancudo, e a ausência de luminosidade solar anunciavam que o temporal seria violento. E, em segundos, ele chegou. Caiu impetuoso, no momento em que eu registrava na lousa o último verso de um poema querido.
Não houve tempo para leituras. Grande alvoroço já dominava as crianças. Percebi semblantes sobressaltados.
O vento passava zunindo, em remoinhos, carregando folhas, cacos de telhas, muita água e granizo. Furiosamente, empurrou a porta da classe, já bastante fragilizada por "outras" intempéries, escancarando-a e jogando sobre nós lufadas de névoa gelada. Gritaria. Bem no centro da sala, uma massa d'água, cachoeira espumante e densa, desabou de uma enorme fenda do forro do contêiner, pororocando sobre carteiras, materiais escolares e diante de nossos olhares atônitos. Corre-corre. A turma dividiu-se involuntariamente. Alguns alunos refugiaram-se no fundo da sala. Outros acorreram à frente, de costas para a lousa, buscando segurança junto à professora. Quatro garotos voaram em direção à porta e, na luta contra o vento, despendiam força de Hércules para mantê-la fechada. Relâmpagos e trovões energizavam o temor das crianças e as faziam levar as mãos ao rosto ou tapar os ouvidos. Com muito medo também, embora sem expô-lo, eu solicitava calma. A ausência de criatividade impedia-me de encontrar outra solução.
Assim, por minutos seculares, unidos e separados, aguardamos o rancor da natureza se afastar. Felizmente, partiu sem ferir ninguém e carregou consigo nossos pavores.
Tudo, então, começou a se metamorfosear. No meio da classe, a queda d'água foi afinando, virou filete e, depois, goteira. Brincadeiras começaram a eclodir, aqui e ali, enaltecendo o medo e a coragem de cada um e apagando a indignação de todos. O mais engraçadinho do grupo gritou que a professora quase tinha entrado debaixo da mesa de tanto medo. Risos em profusão. Tal descontração era o prenúncio do que tínhamos a fazer: hora de limpar carteiras e acomodá-las nos espaços menos encharcados do piso de madeira; tempo de enxugar os materiais, controlar os ânimos e retomar a lição.
Diante da simultaneidade dos fatos e de tantas carências, pensei em anular o que planejara e dar outro enfoque à aula. Mas não, não poderia.
No quadro-negro, aguardava-nos sereno "O cavalinho branco", de Cecília Meireles. Pequenos respingos descoraram a forma de algumas palavras, mas não lhes feriram o encanto e a infinitude. Inseridas em versos delicados, elas acalmavam nossas almas e nos convidavam a aprender e ensinar.
Sem hesitação, alisamos com ternura a crina dourada do cavalinho branco e reiniciamos a viagem, levando conosco maior certeza, então, que educar é temer tempestades e enfrentar gigantes, mas é também libertar, compor sonhos e não fraquejar.
EEPG "Prof. Ennio M. B. de Andrade" - Santo André
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