O índio |
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Prof . Edson Rodrigues dos Passos |
Meu Deus, é ele!
Quem já conversou com um índio, assim um papo
aberto, sobre futebol, religião, amor...? A primeira
idéia que nos vem é da impossibilidade deste
diálogo, risos, preconceitos, talvez. O que dizer então
da visão dos estrangeiros, que pensam que andamos nus,
atiramos em capivaras com flechas envenenadas e dançamos
literalmente a dança da chuva pintados com urucu na
Praça da Sé ou na Avenida Paulista?
Pois na minha escola no ano de 1995 ocorreu a matrícula
de um índio. Um genuíno adolescente pataxó.
A funcionária da secretaria não conseguiu esconder
o espanto quando na manhã de segunda-feira abriu preguiçosamente
a portinhola e deparou-se com um pataxó sem camisa
com o umbigo preto para fora, dois penachos brancos na cabeça
e a senha número "um" na mão, que
sem delongas disse:
Vim matricular meu filho.
E foi o que ocorreu, preenchidos os papéis, apresentados
os documentos, fotografias, certidões, transferências,
alvarás, licenças etc. A notícia subiu
e desceu rapidamente os corredores do colégio, atravessou
as ruas do bairro, transpôs a sala dos professores e
chegou à sala da diretora, que levantou e, em brado
forte e retumbante, proclamou:
Mas é um índio mesmo?
Era um índio mesmo. O desespero tomou a alma da pobre
mulher; andava de um lado para o outro, olhava a ficha do
novo aluno silvícola, ia até os professores,
chamava dois ou três, contava-lhes, voltava à
sala, ligava para outros diretores pedindo auxílio,
até que teve uma idéia: pesquisaria na biblioteca.
Chegando lá, revirou Leis, Decretos, Portarias, Tratados,
o Atlas, Mapas históricos e nada. Curiosa com a situação,
a funcionária questionou: qual o problema para
tanto barulho?
Precisamos ver se podemos matricular um índio;
ele tem proteção federal, não sabemos
que língua fala, seus costumes, se pode viver fora
da reserva; enfim, precisamos de amparo legal. E se ele resolver
vir nu estudar, será que podemos impedir?
Passam os dias e enfim chega o primeiro dia de aula, a vinda
do índio já era notícia corrente, foi
amplamente divulgada pelo jornal do bairro, pelas comadres
nos portões, pelo japonês tomateiro da feira,
pelos aposentados da praça, não se falava noutra
coisa. Uma multidão aguardava em frente da escola a
chegada do índio, pelas frestas da janela, que dava
para o portão principal, em cima das cadeiras e da
mesa, disputavam uma melhor visão os professores
sem nenhuma falta , a diretora, a supervisora de ensino
e o delegado.
O porteiro abriu o portão sem que ninguém
entrasse e fitou ao longe o final da avenida; surgiu
entre a poeira e o derreter do asfalto um fusca, pneus baixos,
rebaixado, parou em frente da escola, o rádio foi desligado,
tal o silêncio da multidão que se ouviu o rangido
da porta abrir, desceu um menino roliço, chicletes,
boné do Chicago Bulls, tênis Reebok, calça
jeans, camiseta, walkman nas orelhas, andou até o porteiro
e perguntou:
Pode assistir aula de walkman?
EEPSG "Prof. Luiz Antônio Fragoso" - Capital
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