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Boa noite
Sexta-Feira , 19 de Abril de 2024
>> O Professor Escreve Sua História
   
 

Paixão

Prof. César Sátiro dos Santos

Só agora, passados tantos anos, posso avaliar a intensidade da paixão que vivi. Era um professor experiente e, muito embora pressentisse a possibilidade do fato, não pude prever nem dar-me conta de que acabara de começar. Convencido e seguro na posição de professor, fascinado pelo poder de manipular cérebros e, sobretudo, sentimentos, não podia imaginar o que aquele ano me reservava.

Era uma classe de colégio, com alunos de classe média alta, e entre eles avistei-a pela primeira vez. Tinha olhos claros, usava óculos com aro de fibra de carbono em tom azulado e não passava ainda dos dezesseis anos. A princípio, quase passou-me despercebida, sequer a notei, até o momento em que saiu de sua carteira e andou calmamente em minha direção. Aproximou-se e, ao fazer uma pergunta, dei-me conta de seus olhos profundos, da pele clara e suave como seda, do perfume um pouco exagerado para meu olfato, mas muito envolvente.

Bem, não era a primeira e nem seria a última vez que uma aluna despertaria a minha atenção. Achava quase normal que assim fosse, afinal, professor também é gente e lida com gente, quase sempre jovem, bonita, cheia de vida e sonhos. O afeto cresceu naturalmente, mas considerei normal. Adotei o procedimento clássico: retribuir ocasionalmente um olhar mais intenso, sorrir, fazer-me de bobo e desentendido, esfriar, esquentar e presenciar sua ansiedade, pois devo confessar um certo prazer com este jogo.

A única coisa que não pude prever foi encontrar alguém tão especial. Embora jovem e um pouco tímida, tinha um grande número de amigas, pois era uma pessoa do tipo confiável. Logo descobri seu gosto por filmes e livros. Após as aulas, ou mesmo em classe, discutíamos Márquez, Machado de Assis e Drummond, seu poeta preferido, pois, como dizia, "Era o único poeta que falava de amor, mesmo escrevendo coisas que aparentemente nada tinham com ele". Também gostava de Clarice Lispector e deu-me de presente Perto do Coração Selvagem , com uma dedicatória: "Que vivamos o que outros não ousaram viver". Pressenti o perigo e refugiei-me na aliança da mão esquerda, poli-a cuidadosamente e citei minha esposa nas aulas seguintes, mas lá estava ela, sorrindo, não se deixando afetar.

Um dia notei sua ausência. Ela esperou o início da aula e surgiu na porta de mão dada com um aluno de outra classe. Pediu licença e, quando autorizei, despediu-se do rapaz com um beijo provocante. Era norma da escola não autorizar a entrada de retardatários, mas eu estava curioso, enciumado, e queria saber da novidade. Ela ignorou todas as tentativas de diálogo e senti-me estúpido. Agora, já não era mais ela a procurar um olhar, um motivo para conversar, um instante a sós. Dias depois não estava mais namorando. Uma aluna comentou que ela tentara esquecer um grande amor. Reacenderam-se as brasas. Na aula seguinte trocamos olhares. Ela pediu carona. Fiz o caminho mais longo possível, mas não consegui entrar no assunto. Ao despedir-se beijou-me bem próximo aos lábios e tremi ao sentir seu corpo desprotegido, abrindo-se como uma flor à espera do sol. Não pude resistir e beijei-a, a princípio com força e depois suave e demoradamente. Na manhã seguinte, após uma noite de insônia, passei por um grupo de alunas, todas com risinho cínico estampado no rosto e uma delas falou alto: "Eu não disse que ela conseguia...?!" e desataram a rir.


EEPSG "Prof. Vitorino Pereira" - Catanduva

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