Provas e Devaneios |
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Prof ª. Marli Teixeira Conte |
Vou à janela. Estou no segundo andar. Lá embaixo, eu o vejo parado ao lado do carro. Não sei o que pensar. Tentar outra vez, por quê? Já esperamos demais, já sofremos demais... Ele fuma e me espera. Anda um pouco, pára novamente. Ergue os olhos para cima, afasto-me para que não me veja.
- Professora, a questão três é fácil, mas a quatro...
Olho e sorrio. Claro, o nível de complexidade vai aumentando... E de nossa situação também. Ontem ele veio buscar-me. Era tarde. Seguiu meu carro pela Avenida Bandeirantes. Buzinou, pediu-me para estacionar. Parei numa esquina, perto de um poste. Meu coração batia enlouquecido. Veio ao meu encontro. A luz bateu em seus olhos.
Brilhavam, úmidos. Nunca poderei esquecer aquele olhar. As pessoas que passavam nos observavam, sorriam. Nossos guarda-pós brancos voavam enquanto nos abraçávamos. Tremíamos. Frio? Nervosismo?
O adeus dói. "Você foi ficando muito espiritualizada e eu muito materialista." Será mesmo só isso? Ou tudo isso? Preciso lecionar em Universidade, fazer pós-graduação, mas e tempo? E dinheiro?
Os alunos continuam fazendo a prova. Erguem os olhos, escrevem, apagam, param, lêem. Um morde a caneta, outro boceja, outro tem a testa franzida. Não é fácil estudar à noite, estão cansados da luta do dia.
Faço uma prece silenciosa para que se lembrem de tudo o que foi dito, explicado, dos exercícios feitos, dos textos lidos. Um relâmpago vem cortar meus pensamentos. Agora chove. Aproximo-me da janela molhada. Lá embaixo, ele entra no carro para se abrigar. Dentro de alguns minutos, o sinal vai levar-me desta para a outra realidade: a minha vida, meus temores, meus anseios. Ele espera. Nem sei definir se é bom ou não hoje ser dia de provas, em todas as salas. Dia de pouco falar, pouco explicar, dia de ter tempo para encontrar-me comigo mesma. Prova também para mim... às vezes me pergunto como estaria se não tivesse este meu trabalho que adoro apesar dos pesares, que é minha subsistência. Alunos para orientar, ouvir, animar, estimar, ensinar. Mostrar a beleza dos textos, o prazer da leitura, aprender com eles e muito...
Lá fora alguém me espera, talvez ouvindo uma música, escolhendo palavras, escolhendo mentiras com um pouco de verdade.
Nesta madrugada, terei as correções por companhia. Ah! As correções: uma leitura, um conceito, uma observação, um café, mais outro. Uma frase bem escrita ali, uma surpresa com alguma descoberta, sempre um elogio. E o tempo passa, a madrugada passa, o dia chega cheio de interrogações.
- Acabei, professora, posso entregar?
EEPSG "Eng. Urbano Alves de S. Pereira" - Taubaté
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