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Boa noite
Sexta-Feira , 19 de Abril de 2024
>> O Professor Escreve Sua História
   
 

Remember Santoro

Prof . José Carlos Mendes Brandão


Quem se lembra do professor Santoro? Eu tenho vergonha de me lembrar tão pouco do Santoro. Às vezes me lembro de que pertenço a uma categoria profissional que vê os seus companheiros morrendo na trincheira ao lado. Não posso fazer nada e só posso sentir vergonha. Um grande pesar e um nó na garganta, um sentimento de incapacidade de ação que estrangula.

O Santoro foi estrangulado pela profissão que escolheu. Saía de uma sala de aula para outra e depois para outra. Anos e anos percorreu essa via-crucis; sem ser o Cristo, se esfalfou nos passos do Calvário. Nem o Cristo agüentou carregar a sua cruz; precisou de um Simão Cirineu.

A nossa escola tem uma pequena igreja num dos pátios. O Santoro saiu de uma sala de aula, de uma das estações da sua via-crucis, a caminho de outra sala de aula. Morreu na frente da igreja. Dias e dias eu passava por ali e parava diante da mancha de sangue que ficou nas pedras do calçamento e não se apagava, não se apagava.

O Santoro deu uma aula calma, sossegada, muito calma e muito sossegada como era do feitio da sua alma boa. Nada o abalava. A caminho de mais uma aula caiu no chão, soltando uma golfada de sangue pela boca. Morreu como um cão. A imagem é exagerada: "morrer como um cão". Mas foi a imagem que me ficou.

O Santoro executado no processo de K., sem ser K.

Ninguém tinha coragem de se aproximar. Um homem se dobra em dois, curva-se até o chão, fica de quatro, tenta erguer uma perna, um braço e expele sangue.

E o sangue não era azul como o da nobreza. E o Santoro era um nobre.

E o sangue não era vermelho como o do comum dos mortais.

Era escuro ou era roxo, mas de um roxo sujo. Era um sangue de cor indefinida. Era um vômito nojento. Outra vez tenho de falar em vergonha. Eu tenho vergonha e muita vergonha, mas era nojento. Meu amigo nojento. Como um cão.

Dias e dias aquele sangue não se desgrudava das pedras diante da igreja. Ainda deve estar lá. O Santoro vomitou a sua dor e o vômito da dor não se apaga nunca.

Eu comecei a morrer. Você começa a morrer quando começa a contar os mortos.

No pátio maior da escola fica o túmulo do nosso fundador.

E um monumento em bronze erguido sobre, com o homem solene sentado, os braços abertos. Dizem que protege a escola, que de noite se levanta e caminha pelos pátios e pelos corredores e pelas oficinas e pelas salas de aula e entre as camas no dormitório dos meninos internos e na cozinha, na horta, nos jardins.

Eu olho para o velho morto no início do século e é como se estivesse vendo o Santoro. Eu vejo o Santoro reencarnado em pedra. Gozado. A carne morta feita pedra que anda.

Eu vejo o Santoro gesticulando do alto do monumento em bronze ou pedra. E caminhando pelos desvãos da escola velha como um museu muito velho.

O Fundador construiu a escola para receber os meninos pobres da região, e uns oitenta internos mais três mil outros meninos e jovens recebem formação profissional em oficinas e mais oficinas. Sob os olhos do Fundador e do Santoro.

O Fundador feito carne na carne morta do Santoro. O Santoro feito mito no bronze e pedra do Fundador.

Um jeito de o sangue azul do Santoro não se tornar um sangue porco. O Santoro que deu o sangue pela escola.


EEPSG "Ernesto Monte" - Bauru

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