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Boa noite
Terça-Feira , 19 de Março de 2024
>> O Professor Escreve Sua História
   
 

Sem título


Prof. Antonio Fernando Torres


A jardineira, quase lotada, sacoleja pela estrada de terra, aos primeiros raios do sol. Sonolento, assimilo esse instante em que, envolto pela magia do horário, viajo para a vida: no sonho leve, vejo a pequena cidade, escola à espera, frases e lições para o dia, há sorrisos e esperanças a trabalhar.

Alguém invade a cena. É Zé Rosa, o cobrador. Mostro-lhe o bilhete e acordo para a viagem. Uma parada, outra. Mais uma. Seu Júlio, o motorista, abre a porta. Em meio à poeira, sobem crianças de uniforme, são da Fazenda Mata do Veado. Irrequietas, trazem a algazarra de sempre.

- Oi, seu Júlio! Oi, seu Zé!

Entram correndo. Há sacolas pelo chão, alguns tropeçam. Uma menina que vai à frente cai sobre um embornal, que sai pulando. Ouve-se um cacarejo esganiçado.

- Que é isso aí? - esbraveja o cobrador, lá na frente.

- É eu que tô imitando galinha, quer escutar de novo? salva um dos meninos. E cacareja, não tão perfeito, mas fica por isso mesmo. O embornal resolve ficar quieto.

- Vamos entrando, garotada, mais pro fundo - ordena seu Júlio. E sem bagunça hoje, hein?

Após algumas bagunças e paradas, a jardineira chega. Atravessa a rua central e pára no armazém-loja-bar do Ditão. É o ponto final. Espreguiço-me de pé, os de trás vão passando: velhos, rurais, mulheres, estudantes, pacotes, a galinha no embornal. Misturam-se no ar borracha queimada, cigarro de palha e vozerio. Finalmente, desço.

- Sô Chaim, o senhor veio hoje?...

Caramba, outra vez! Todo dia a mesma pergunta, meio desapontada. É a loirinha Zilda, liderando mais uns dez da quinta A, ali no ponto conferindo se a jardineira traz o sô Chaim, quem sabe uma folga no horário, sair mais cedo, ou só por nada. Encenando irritação e seriedade, disparo em direção à menina:

- Não, eu não vim hoje, você não está vendo que mandei meu irmão no meu lugar? E você e os outros, vão andando, subam pra escola, vamos!

Nunca, nessa situação, falara assim com eles. Sempre um gracejo, ou simplesmente um sorriso, passar de mão na cabecinha de um ou outro. Desta vez, porém, vou fundo.

Morro acima, duas quadras e uns vinte minutos depois, entro na quinta A. Epa! Silêncio geral?! Todos em seus lugares?! É de estranhar, pois nos meus primeiros três meses nessa escola, sempre fora recebido pela turma com descontração, brincadeirinhas, ninguém no lugar, andanças...

Sento-me, levanto-me, procuro no ar uma explicação. Encontro-a na espreita dos olhares que me vasculham, sem perder um só movimento meu. Claro, fica claro! A cena que eu tinha armado na saída da jardineira não só ficara perfeita como assustara. E logo havia se espalhado. Teria convencido?

Decido, então, entrar no jogo. Emposto a voz, verifico a presença, inicio os temas preparados. Faço tipo. Leio, mando ler. Explico, proponho exercícios. Respondem em silêncio, não há as costumeiras perguntas. O tempo passa. O clima não é tenso; no mínimo, revela cumplicidade.

Pouco antes do final da aula, o olhar azul da Zilda me busca. Encaro-a. Enigmática, dispara:

- E amanhã, fessô, quem vem dar aula no seu lugar, é o senhor ou o sô Chaim.


EEPG "Dr. Cândido Rodrigues" - São José do Rio Pardo

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