ENTREVISTA
>> Usando sua experiência
prática como gestora pública no Paraná
e sua experiência técnica como membro da equipe
do Banco Mundial, como a senhora analisa o quadro da Educação
no Brasil?
AS>> Não conheço
nenhum outro país que tenha conseguido realizar em
tão pouco tempo o que foi feito aqui nessa última
década. Para que os Estados Unidos colocassem todas
as suas crianças e jovens na escola, por exemplo,
levou 50 anos. O Brasil fez isso em 10, depositando toda
a sua energia, dinheiro e quadro de pessoal na quantidade.
Alguns críticos dizem que com isso o sistema perdeu
qualidade. Discordo, ele já não tinha qualidade
antes. Apenas manteve o mesmo nível, mas com muito
mais crianças sendo atendidas. A melhora qualitativa
é o próximo passo. Sou altamente otimista,
porque vi o País melhorar muito nessa área.
Sem deixar de reconhecer que ainda temos pela frente o mesmo
tanto por fazer. O Brasil, e conseqüentemente o seu
sistema educacional, é uma nação em
construção. Eu diria que hoje o copo está
metade vazio, metade cheio.
Formação
>> Um dos grandes desafios do
País é melhorar a formação dos
docentes, que precisam reaprender a ensinar diante das novas
realidades e práticas de ensino. Qual a melhor forma
de fazer isso?
AS>> Posso citar a experiência
do Paraná, onde atuamos de duas formas diferentes
e simultâneas. De um lado, temos a capacitação
centralizada, que acontece em Faxinal do Céu - um
centro totalmente dedicado a educadores. Do outro, existe
a capacitação na escola, feita por meio de
um programa chamado "Vale-Saber". A idéia
é simples: o professor recebe um manual com algumas
sugestões de projetos - comprovadamente eficazes
para o desenvolvimento de conhecimentos, competências
e valores - que deve implantar num prazo de seis meses,
sempre trabalhando em conjunto com colegas de outras disciplinas.
Isso se chama pesquisa-ação - ou seja, ao
mesmo tempo em que desenvolve o projeto com os alunos, o
professor está pesquisando sobre o assunto, exercitando
a interdisciplinaridade e a capacidade de trabalhar em equipe.
Além dos manuais e de uma ajuda de custo para a implementação
dos projetos, ele recebe uma rápida capacitação
e conta com um telefone 0800 para tirar dúvidas.
>> E a Universidade do Professor,
em Faxinal do Céu? Qual o balanço que a senhora
faz dessa experiência?
AS>> O que Faxinal tem de
melhor é exatamente a oportunidade de os educadores
trocarem figurinhas. É claro que as palestras que
eles assistem são importantes, assim como as oficinas
das quais participam. Mais importante ainda, no entanto,
é ter 500 professores juntos, interagindo, trocando
experiências. Faxinal, na minha opinião, é
um ambiente para sensibilização, motivação
e mobilização.
>> O que é preciso para
que um programa de educação continuada tenha
sucesso?
AS>> Em primeiro lugar, pragmatismo.
O professor é ávido por dicas, por kits, pelo
exemplo que ele pode aplicar no outro dia. É importante
discutir sobre temas como a interdisciplinaridade. Mas como
é que ele, na prática, trabalha de forma interdisciplinar?
É esse tipo de questão que o intriga. O segundo
ingrediente é a variedade de opções:
o curso na universidade, o encontro em pequenos grupos,
o projeto na escola... Por último, é preciso
rever os critérios de participação:
o professor não pode ser convocado; deve ser convidado.
E também não deve ir para a capacitação
apenas para ganhar um diploma que poderá lhe render
pontos e promoção. Eu, aliás, sou a
favor de acabar com os certificados na Educação
Continuada. Porque a capacitação só
é boa, se o professor vai de livre e espontânea
vontade. E com uma motivação legítima.
>> A senhora acha que a educação
a distância é uma boa saída para suprir
o déficit de formação dos professores
brasileiros?
AS>> Num país grande
como o nosso, esse é um recurso importante. A educação
a distância ocorre no mundo inteiro e nós estamos
no começo. Por outro lado, não adianta achar
que a educação a distância vai resolver
todos os problemas. É preciso ter o espectro completo:
a capacitação centralizada (com um grupo maior
de pessoas), um projeto na escola (que o professor implementa
com os colegas e os alunos dele) e, no meio de tudo isso,
o uso da tecnologia. É importante não ver
nenhuma dessas alternativas como panacéia. Eu aprendo
melhor de uma forma; você de outra. Por isso é
preciso ter um elenco de opções dentre as
quais o profissional escolhe a mais adequada para si.
>> Ainda com relação
às novas tecnologias, como promover a inclusão
digital do professor?
AS>> Acredito que só
teremos a disseminação da tecnologia se o
professor tiver um computador em casa. O Estado de São
Paulo está de parabéns pelo programa de doação
de micros para os educadores, para que eles levem para casa,
pesquisem na Internet, preparem provas, trabalhem. Apenas
assim, incorporando o computador a sua rotina diária,
é que eles vão chegar na escola e sentir necessidade
de usar lá também. Este é o caminho.
Ciclos, correção de fluxo e avaliação
>> Como a senhora vê o sistema
de progressão continuada?
AS>> Na minha opinião,
esse sistema representa o reconhecimento de que toda criança
pode aprender e de que a obrigação do professor
é ensinar. A repetência costuma gerar mais
repetência. E a repetência em seqüência
acaba levando o aluno para a rua. O grande problema é
que no momento em que ele sai da escola, eu perco a oportunidade
de fazer qualquer tipo de trabalho. Eu quero é que
ele continue lá, porque assim tenho a chance de mudar
alguma coisa. É claro que ninguém quer que
o aluno passe de ano sem ter conhecimento. Não advogo
a promoção sem aprendizagem, mas entendo que
é perfeitamente possível aprender no sistema
de progressão continuada. Trata-se de uma boa idéia,
com um bom plano, mas cuja implementação ainda
precisa ser melhorada.
>> Alguns professores reclamam
que, com o sistema de ciclos, perdem um instrumento de pressão
sobre a turma, que é a prova. Como manter o interesse
dos alunos sem que exista a necessidade de se esforçar
para passar de ano?
AS>> É verdade, perde-se
a pressão do "passar de ano". Mas não
acredito que a ameaça seja um bom insumo pedagógico.
A motivação, a sensibilização
e o envolvimento são muito mais eficazes. O professor
tinha antes um sistema simples, que não exigia muito
dele. Bastava usar o instrumento da reprovação
- que, num certo sentido, é equivalente à
palmatória. Agora ele tem um sistema complexo, que
exige muito mais: há que se conquistar o aluno, seduzir
a turma.
>> E quanto ao problema da defasagem
idade/série, qual seria a melhor forma de fazer a
correção de fluxo?
AS>> Criar um "intensivão",
uma espécie de UTI. A criança que tem dois,
três anos de defasagem de série, é um
forte candidato a sair da escola. Se ela continuar na mesma
velocidade, será muito difícil aprender alguma
coisa. Então precisamos tirá-la da sala regular
e dar a ela um tratamento especial. Num hospital, se você
está com um problema simples, fica na enfermaria;
se a situação é grave, vai para a UTI.
Não podemos colocar na porta a placa de UTI e agirmos
da mesma forma.
>> Qual a sua opinião sobre
os sistemas de avaliação externa?
AS>> A prova que o professor
prepara, apesar de um excelente instrumento para avaliar
o desempenho do aluno ao longo dos anos, não é
padronizada. Varia de acordo com quem a elabora. Não
serve, por exemplo, para avaliar se a escola x, em São
Paulo, está ensinando na segunda série os
conteúdos, os valores e as competências mínimas.
Para isso, é preciso ter um instrumento de medida
comum a todas as escolas, um termômetro que meça
de forma padronizada aquilo que é mínimo para
os sistemas, seja a escola, a rede municipal, estadual ou
o País. Esses medidores, todos juntos, nos permitem
uma fotografia do sistema educacional, até para que
se possa premiar a excelência e corrigir as deficiências.
Gestão
>> Hoje fala-se muito em gestão
participativa. Como os professores podem participar mais
ativamente da formulação das políticas
públicas da área educacional?
AS>> Formando organizações
profissionais de acordo com suas áreas de atuação.
Nenhum secretário ou dirigente de ensino pode conversar
com todos os professores ao mesmo tempo, mas se há
um órgão que os represente, então é
possível ouvi-los. Sou uma fã de todas essas
associações, porque sei como é rica
a contribuição delas.
>> Como secretária, a senhora
adquiriu grande experiência na resolução
de conflitos e definição de prioridades. Que
dica daria para diretores que se deparam diariamente - claro
que em menor escala - com esses mesmos desafios?
AS>> Em primeiro lugar, se
você não se sente preparado para resolver conflitos
e gerenciar recursos, não faça de conta. Vá
atrás da qualificação necessária.
Gerenciar por intuição, por tradição
ou por amadorismo funciona de vez em quando. Na maioria
dos casos não dá certo. Uma vez desenvolvida
a competência, utilize todas as possibilidades de
energia e recursos. Você é um líder
pedagógico e os professores têm de olhar para
você como tal. Você é um líder
comunitário, e os pais têm de ver você
assim.
>> Como a senhora avalia a participação
dos pais na escola no Brasil?
AS>> Acho que ainda é
muito fraca. O que é uma pena, porque já está
provado que a criança cujos pais acompanham a vida
escolar aprendem mais e melhor. Os mecanismos para trazê-los
à escola, como as APMs, Semana da Família
na Escola etc, ainda são incipientes no Brasil. Precisamos
mudar a visão de que os pais não entendem
nada de Educação e enxergá-los como
parceiros.
>> Um de seus temas preferidos
em palestras é o da "gestão por resultados".
O que isso significa?
AS>> Significa uma gestão
educacional que tenha como resultado todas as crianças
na escola, aprendendo, passando de ano e completando onze
séries em onze anos.
(por Priscila Ramalho)