ENTREVISTA
>> Qual é o objetivo do
ensino de Língua?
ANM>> Incorporar as crianças à
comunidade de leitores e escritores. Isso não significa
que todas serão escritoras de livros, mas que serão
capazes de ler e escrever adequadamente os textos de que
necessitam na sua vida, como um jornal, uma carta, um manual
de instruções... Acredito que a única
forma de se alcançar isso é ver a leitura
e a escrita como práticas sociais. Ensinadas de forma
solta, as letras, as palavras e as normas gramaticais não
servem para formar leitores e escritores. Essas coisas apenas
têm sentido quando estão incluídas em
situações de leitura e escrita. Por exemplo:
o aluno está elaborando um texto e sente necessidade
de alguns recursos de linguagem para não repetir
uma palavra. Está aí uma ótima oportunidade
para introduzir os pronomes e sinônimos.
>> As escolas supervalorizam a gramática,
na sua opinião?
ANM>> Na Argentina, sim. Lá, a partir
da quarta série, a aula de Língua costuma
ser dedicada ao ensino da Gramática e da Ortografia.
Estamos tentando reverter isso e mostrar ao professor que,
ao ensinar noções gramaticais, ele não
está necessariamente ensinando a ler e a escrever.
É claro que as crianças têm de ter esses
conhecimentos, mas eles devem ser adquiridos de outra forma,
subordinados às práticas de leitura e escrita.
Isso significa criar, desde as séries iniciais, situações
reais em que se vejam práticas permanentes de leitura
e escrita e, a partir dessas situações, ir
aprofundando diferentes subdomínios lingüísticos
- que têm a ver com a gramática, com a ortografia,
com a lingüística.
>> Mas os professores têm uma grande dificuldade
para trabalhar dentro dessas "situações
reais", e conseqüentemente, para dar sentido aos
textos...
ANM>> Essa não é, realmente,
uma tarefa tão fácil. Porque é preciso
incluir os textos em situações comunicativas
reais e que tenham um destinatário preciso. Muitas
vezes é difícil encontrar uma situação
adequada, sem que ela se torne artificial. Principalmente
pela dificuldade de se encontrar um destinatário.
>> Como resolver esse problema?
ANM>> Acredito que a melhor saída está
no intercâmbio entre os professores, não só
dentro de uma mesma escola mas, também, entre escolas,
através de portais como este do C_R_E, por exemplo.
Assim eles podem trocar experiências e até
desenvolver projetos em conjunto. Às vezes, um professor
tem uma idéia maravilhosa e os outros não
ficam sabendo.
>> Qual a sua opinião sobre os exercícios
de cópia que muitas escolas ainda praticam?
ANM>> Se pensamos que o objeto de ensino são
as práticas sociais de leitura e escrita - e colocamos
isso como um fio condutor através de toda a vida
escolar -, então a cópia deve ser também
uma "cópia social". Se eu vejo um texto
de uma receita que quero fazer em casa e não tenho
o livro, então a copio. Se quero ter uma letra de
uma música, copio de alguém que tenha o disco.
Assim, quando o aluno faz a cópia para obter um texto
que não possui, não há problema, pois
se trata de uma situação real. O que não
faz sentido é copiar simplesmente para fazer letras.
Isso não implica em nenhuma aprendizagem.
>> Do ponto de vista da cognição
e metacognição, os elos entre o ato de ler
e o de escrever são indissolúveis? É
possível ensiná-los de forma separada?
ANM>> A leitura e a escrita são processos
diferentes, mas complementares. Quando você faz uma
pesquisa, por exemplo, está lendo e ao mesmo tempo
resumindo, tomando notas. Mas essa ligação
não é obrigatória. Podem existir situações
apenas de leitura quando se trabalha com literatura, por
exemplo. Nesse caso, a pessoa não lê para escrever,
mas simplesmente para desfrutar da leitura. O difícil
é pensar o contrário: que é possível
escrever sem haver participado de situações
de leitura. Porque só se pode produzir uma linguagem
escrita depois de ter tido muito contato com essa linguagem,
o que se dá por meio da leitura.
>> Existe uma idade certa para começar
a alfabetização?
ANM>> Minha neta já começou
e tem um ano e três meses. Ela folheia livros, faz
rabiscos, vê letras nas placas de rua. Digo isso porque
entendo que alfabetizar não é colocar a criança
para repetir letras e fonemas, mas fazer com que ela participe
do mundo letrado e de situações reais de leitura
e escrita. Partindo dessa perspectiva, quanto mais cedo
começa o processo, melhor.
>> Emília Ferreiro disse certa vez que
o que se espera de um leitor muda com o tempo. O que se
espera do leitor hoje, diante de um mundo onde as informações
estão disponíveis em quantidade por todas
as partes?
ANM>> Ser leitor hoje em dia não implica
em uma determinada habilidade, mas em múltiplas habilidades.
Uma coisa é ser leitor de literatura e outra é
ser um leitor de jornais, assim como outra coisa bem diferente
é saber ler e escrever por e-mail. Alguém
pode ser um ótimo leitor de literatura e não
conseguir fazer uma leitura adequada das informações
da Internet, por exemplo. As pessoas da minha geração
entendem isso muito bem. Por isso é importante que
as crianças tenham acesso a todas as possibilidade
de leitura. É claro, que, num mundo tão complexo
como o que vivemos, o professor tem de priorizar algumas
modalidades textuais, porque nunca conseguirá trabalhar
bem com todas elas.
>> O que a senhora pensa sobre a escrita nos grupos
interativos da Internet? O que esse meio possibilita em
termos de aquisição e desenvolvimento de conhecimento
e competências?
ANM>> Isso é outra leitura e outra
escrita. Na verdade, penso que é uma outra forma
de comunicação, que usa uma linguagem que
oscila entre a escrita e a oral, sem trabalhar com propriedade
nenhuma das duas. Não acho que seja um objeto de
ensino escolar, porque não acredito que se possa
aprender alguma coisa com isso. Ninguém será
um melhor leitor ou produtor de textos por causa dessa prática.
>> Como motivar os alunos para a leitura de literatura?
ANM>> Em primeiro lugar é preciso entender
que dar livros às crianças não significa
formar leitores. Para formar leitores, o professor tem de
gostar de literatura e compartilhar esse prazer com as crianças,
ler com elas, discutir sobre o conteúdo do texto...
Nesse processo é importantíssimo que o mestre
não apenas dê textos para que os alunos leiam
sozinhos em casa, mas que leia com eles na sala de aula.
Ler em voz alta é algo que se deve fazer sempre,
com turmas de todas as idades. Porque não se forma
leitores solitários. Forma-se uma comunidade de leitores.
>> Alguma sugestão final para os professores
de Língua?
ANM>> Que leiam muito. E que leiam com seus
alunos. Para os menores, os médios e os mais velhos.
(por Priscila Ramalho)