ENTREVISTA
>> Como se constrói o conhecimento?
JD>> O conhecimento é uma forma de
controle do mundo, uma forma de sobrevivência. Ele
é construído por meio da ação,
da atividade do próprio sujeito. O papel da escola
é ajudar nessa construção, o que nem
sempre é feito de forma adequada. A maioria das escolas
que conhecemos ainda parte da idéia antiga de que
algumas pessoas têm conhecimento e o transmitem a
outros. Isso não é certo: o conhecimento tem
de ser construído pelo sujeito.
>> O que precisa ser mudado nas escolas?
JD>> Elas devem ser mais ativas, mais participativas.
Costumo dizer que precisam promover uma mudança em
três pontos fundamentais: nos conteúdos, na
forma de organização e na função
do professor. Falemos primeiro sobre os conteúdos.
Estudo há mais de dez anos os mecanismos pelos quais
as crianças formam as idéias sobre o mundo
em que vivem. Percebi que, desde pequenas, elas fazem perguntas
a si mesmas sobre os mais diversos assuntos, da ciência
à economia. A escola deve partir exatamente daí,
dessas perguntas que os alunos fazem a si mesmo. A escola
deve converter essas questões em problemas científicos.
Mas o que faz normalmente? Justamente o contrário:
parte de assuntos complexos e distantes, como escravidão
ou Revolução Industrial. São problemas
com os quais a criança ainda não se preocupa
e que não lhe servem de nada. Por isso muitas vezes
ela não sente prazer em ir à aula.
>> Como saber o que é relevante ser trabalhado
em sala?
JD>> Há muitos estudos no mundo todo
sobre quais são os interesses das crianças.
E, ao mesmo tempo, pesquisas sobre quais as dificuldades
que elas têm para compreender os fenômenos que
lhes despertam curiosidade. Isso tudo pode servir de referência
para o professor. Além disso, ele pode também
questionar a turma sobre os seus interesses. Garanto que,
muitas vezes, vai ouvir coisas que não esperava.
Na minha pesquisa mais recente, estudo a idéia que
as crianças têm sobre o mundo econômico.
Depois de muitas conversas, percebi que elas querem saber
de onde vêm as mercadorias, como funciona o comércio,
de onde vem o dinheiro... É partindo desses questionamentos
que podemos construir um currículo mais adaptado
aos interesses reais das crianças.
>> A segunda mudança que o senhor propõe
refere-se à organização da escola.
O que precisa mudar?
JD>> A escola tem de estreitar os vínculos
com os meios sociais onde está situada. Tem de servir
como um centro cultural, ficar aberta à comunidade
o tempo todo. Além disso, deve contar com a participação
dos pais e das diferentes pessoas da comunidade que possam
contribuir com sua experiência. Porque todas as pessoas
têm uma experiência que, bem organizada, pode
servir ao aprendizado das crianças. A escola deveria
ser uma espécie de centro que reunisse e organizasse
todas essas iniciativas que contribuem para o conhecimento,
um laboratório onde os alunos aprendessem a analisar
o mundo e não um lugar de transmissão de conhecimentos
ou de valores - o que já é feito pela televisão.
>> A televisão mudou alguma coisa na vida
na escola?
JD>> A TV é um meio muito poderoso
que provoca uma "aparência de aprendizagem".
Ela passa valores e informações, mas não
ajuda no processo de análise de problemas, porque
isso tem de ser feito com base em problemas reais. Uma das
coisas que a criança tem de aprender na escola é
justamente a analisar esse meio e refletir sobre ele.
>> O professor tem uma grande dificuldade de trabalhar
com valores. Por que isso acontece?
JD>> Porque os valores, assim como o conhecimento,
devem ser formados pelos sujeitos. Não podem ser
transmitidos. O professor pode ajudar, fazendo os alunos
refletirem sobre os valores que aparecem na solução
de um problema e analisando situações concretas,
que acontecem todos os dias na escola ou que aparecem na
mídia. É claro que, sozinha, a escola não
vai conseguir mudar o comportamento dos jovens, mas pode
contribuir despertando neles uma maior consciência.
>> A escola está preparada para atender
às demandas sociais?
JD>> Não, está ainda muito vinculada
ao passado. Precisa se voltar para o futuro. E para isso
é preciso investir principalmente nos professores.
>> E qual o papel dos professores nessa nova organização?
JD>> Esse era o meu terceiro ponto. Ensinar
é uma utopia, pois não é o mestre que
ensina, mas o aluno que aprende. Diante disso, o professor
tem de ser um animador, um facilitador. Precisa de uma grande
sensibilidade para perceber as dificuldades e contradições
que as crianças estão encontrando quando realizam
alguma atividade e trabalhar esses problemas. E, além
disso, precisa ter consciência de que ele é
um modelo que será seguido pela turma. Por isso digo
que a formação dos docentes deve mudar, enfatizar
a forma de ensinar e não mais o conteúdo.
>> O senhor fala muito sobre a importância
do "aprender a aprender". Como esse processo se
dá efetivamente?
JD>> É simples: resolvendo problemas.
Na vida cotidiana, nós aprendemos quando temos algum
problema para solucionar.
É quando o carro quebra ou quando o namorado não
responde que você passa a pensar sobre essas coisas.
Na escola, as crianças trazem problemas também.
A habilidade do professor está em transformar essas
perguntas que podem ser muito ingênuas em problemas
mais complexos. Quando as questões não surgirem,
ele deve provocar os alunos com aquilo que achar relevante
("Como vocês pensam que o leite chega até
a loja?", por exemplo), para ouvir as idéias
que surgem.
>> Qual a relação entre Educação
e Democracia, tema de sua palestra nesse evento?
JD>> Uma educação democrática
faz um país democrático. A escola é
uma microsociedade onde se reproduzem muitos dos problemas
do mundo aqui fora. Por isso, para estudar a democracia
é bem mais interessante partir do que acontece no
interior da escola do que analisar a Constituição,
que é algo muito mais distante. Por isso insisto
numa escola mais democrática, na qual os alunos participem
ativamente, criando normas para o funcionamento da sala,
entrando em contato com as sanções que eles
mesmos impuseram. Refletir sobre o que acontece na escola
é uma das coisas mais necessárias para que
a criança compreenda o mundo social em que vive.
(por Priscila Ramalho)