ENTREVISTA
>> O que significa inclusão?
JC>> Eu só posso falar em inclusão se
considerar o seu oposto, que é a exclusão.
É preciso perguntar quem é excluído
e do que é excluído - afinal, às vezes
é bom ser excluído de algumas coisas, como
da doença ou da miséria. No caso da Educação,
que obviamente é uma coisa boa, é bom que
se inclua. Trata-se de incluir todos dentro de um espaço
considerado imprescindível para o desenvolvimento
pessoal e da cidadania.
>> Gostaria que o senhor descrevesse brevemente
a evolução da Educação Inclusiva
no Brasil e no mundo.
JC>> A questão da deficiência nem sempre
foi tratada no mundo como é hoje. Ela já percorreu
caminhos bastante rudes, bárbaros até. Sabemos
de comunidades primitivas e modernas que praticaram a chamada
limpeza étnica, em que matavam crianças que
nascessem com determinados defeitos. Foi só no final
do século XIX que a forma de ver o deficiente começou
a mudar, quando os trabalhos de Freud mostraram que todos
nós temos limitações e quando a Biologia
trouxe conclusões similares, afirmando que todos
nós temos necessidades e deficiências, apesar
de umas serem mais visíveis do que outras. As duas
guerras mundiais, quando um enorme número de pessoas
que, então sadias, voltaram para casa com algum tipo
de mutilação, também contribuíram
para aumentar a consciência de que os portadores de
necessidades especiais são titulares de direitos
como quaisquer outros.
Hoje, considero que estamos vivendo um momento de transição
de uma cultura discriminatória com relação
ao diferente para uma cultura de inclusão, em que
o diferente é aceito não por ser diverso,
mas porque o diverso enriquece. É esse o grande desafio
atual: construir uma nova cultura de inclusão, na
qual o acolhimento da diferença se faça no
reconhecimento do outro como igual, como parceiro, como
par. Na Educação, isso implica a consciência
de que, desde o ato educativo mais simples da pré-escola,
é preciso garantir aos portadores de necessidades
educacionais especiais um lugar garantido nas salas comuns
das classes comuns.
>> Quais os obstáculos que teremos de superar
para construir essa nova cultura nas nossas escolas?
JC>> A criação de uma nova cultura é
um processo lento, que inclui uma série de desafios.
Um deles diz respeito às mudanças físicas
e estruturais, que são necessárias para permitir
a inserção de alunos com necessidades especiais
nas salas e escolas regulares. Outra questão é
sensibilizar as crianças dessas escolas para a questão
da inclusão. Um menino que é manco, cego ou
tem algum outro tipo de deficiência, pode ser objeto
de chacota ou discriminação pelos colegas.
O terceiro desafio, e o mais importante deles, refere-se
à qualificação dos professores. Não
adianta você colocar um surdo numa sala onde o professor,
por mais boa vontade que tenha, não está preparado
para dominar a linguagem de sinais. E ainda são raros
os que estão. Temos que pensar numa preparação
consciente, conseqüente, e rápida ao mesmo tempo,
dos educadores.
>> Como o professor pode obter esse preparo?
JC>> Isso deveria ser uma tarefa das escolas de Educação.
A Universidade tem por obrigação dominar o
que existe de mais avançado sobre esse assunto e,
com isso, criar uma geração de professores
preparados. Além disso, as Secretarias Estaduais
e o MEC
têm a obrigação de propiciar aos professores
que já estão em exercício uma atualização.
Trata-se de um trabalho sofisticado, difícil, mas
muito estimulante e desafiador.
>> Quais os instrumentos legais que existem hoje
no país voltados à Educação
Inclusiva?
JC>> Citarei os mais importantes. O primeiro é
a Constituição
Federal, artigo 208, inciso terceiro, que postula que
crianças com necessidades especiais sejam atendidas
preferencialmente por escolas regulares. Depois, temos a
Lei
de Diretrizes e Bases, que tipifica melhor o princípio
genérico da Constituição, o Plano
Nacional de Educação e a Declaração
da Guatemala (aprovado em 2001, o texto da "Convenção
Interamericana para a Eliminação de Todas
as Formas de Discriminação contra as Pessoas
Portadoras de Deficiência", cujas recomendações
se tornaram lei de caráter nacional no Brasil. Temos,
ainda, a interpretação a esses quatro instrumentos
legais de grande porte dada pelo Conselho Nacional de Educação
através de dois Pareceres
- o 17/2001 e o 4/2002
- e de uma Resolução - a 2/2001. São
estes últimos que chegam mais próximos das
escolas, já que traduzem os quatro grandes equipamentos
legais.
>> Qual a vantagem da Educação Inclusiva
em relação à Educação
em salas ou escolas especiais?
JC>> A riqueza da diversidade. Eu tive uma parente
com Síndrome de Down. Ela era o pivô da família
em termos de afetividade, de sensibilidade, de emotividade,
de memória. Com a diversidade, um grupo ganha novos
valores. Há um jogo, que ainda não sabemos
fazer muito bem, mas temos de aprender, que é conviver
com a diferença. Mais do que tolerar, que é
muito pouco, ele implica a aceitação do diferente
como algo que agrega.
>> Quais os efeitos negativos que podem existir
quando um aluno com necessidades especiais é incluído
numa sala de aula regular sem ser efetivamente integrado?
JC>> O risco que existe aí é termos
uma exclusão sofisticada com capa de inclusão.
Isso significaria legitimar a exclusão camuflando-a
atrás do conceito de inclusão. Dessa forma,
exclui-se duplamente, somando à exclusão uma
versão mais sofisticada dela mesma.
>> Alunos com deficiência severa devem ser
incluídos em salas regulares?
JC>> Como disse há pouco, a Constituição
fala que as crianças com necessidades educacionais
especiais devem ser atendidos preferencialmente nas escolas
regulares. A palavra preferencialmente está aí
exatamente porque considera os casos de portadores de síndromes
múltiplas e profundas. Nestes casos, há a
possibilidade de haver o que eu chamo de "momentos
especiais", em salas especiais, e Escolas Especiais
para um atendimento mais cuidadoso para aqueles que requerem
atenção mais específica. Meu filho
teve dificuldades em Matemática e teve de fazer uma
recuperação paralela. Eu não me senti
ofendido porque a escola propiciou a ele um "momento
especial" de recuperação separado dos
colegas. Esse momento de recuperação serve
para colocá-lo em pé de igualdade com os outros,
não para mantê-lo na diferença. O mesmo
acontece com os portadores de alguma deficiência.
Quando houver uma situação evidente que justifique
um momento de separação, ele deve ser feito
sim, com todos os cuidados. Mas deverá ser visto
sempre como algo complementar, e não como uma situação
permanente.
>> O senhor poderia dar algumas sugestões
para professores, diretores e pais de como avançar
no processo de inclusão?
JC>> A primeira dica que eu considero fundamental
é que os professores, sentindo dificuldade para lidar
com alunos com necessidades especiais, organizem-se para
demandar às autoridades competentes - aos Conselhos
e Secretarias Municipais e Estaduais - iniciativas para
suprir a lacuna formativa que tiveram. Em segundo lugar,
aconselho que os colegiados estreitem os laços com
as famílias, a fim de que elas, que têm todo
o interesse numa inclusão, participem do processo.
Quanto aos pais, que antes ficavam muito constrangidos porque
não havia um equipamento jurídico que os apoiasse,
sugiro que, como os professores, reúnam seus esforços
e ajam coletivamente para fazer suas reivindicações.
Agora uma sugestão às Secretarias: existem
hoje muitos filmes que tratam dessa temática, de
forma mais ampla ou mais específica. Poderia ser
interessante fazer uma lista desses filmes e sugerir, com
base neles, atividades extra-escolares para despertar a
sensibilização.